Cidades
Todo Carnaval tem seu fim: o preço do silêncio da folia para o Rio
Por Cícero Borges e Layane Ramos
Os dias de folia chegaram trazidos pelo mês de fevereiro, mas o isolamento social e as incertezas de um ano inteiro afetado pela pandemia do novo coronavírus fizeram mudar o período mais alegre do país. Como na canção 'Carnaval Triste' de Jorge Ben Jor:
"Então sua voz emudeceu A escola não sambou E o morro não desceu"
Caem as máscaras da folia e da brincadeira para entrar em cena as que protegem de um vírus letal que devastou milhares de vidas no planeta. Saem os blocos, que arrastam multidões país afora, e entram as ruas e avenidas silenciosas. As fantasias dão lugar aos uniformes da enfermagem nos corredores de hospitais. As marchinhas, tão cantadas e entoadas em tom de alegria e deboche, deram lugar à marcha fúnebre, quando registramos mais de 200 mil mortos pela Covid-19.
Só mesmo uma pandemia para fazer esvaziar o templo do samba no Rio de Janeiro diante do maior espetáculo que a terra já viu.
Personagens folclóricos do carnaval carioca: Renato Luís, conhecido como Gari Sorriso, a arretada Regina D'ogum da ala das baianas, e Wilson Dias, rei momo durante quatro edições da folia carioca, falaram sobre a ausência da folia.
Para esses símbolos do carnaval, que representam a essência popular que rege a grandeza dessa festa, apesar do enorme vazio causado pela ausência de toda a rotina que precede o desfile, fica o sentimento de solidariedade e esperança do melhor carnaval de todos os tempos para 2022.
"A escola de samba para mim é um remédio. Mas colocar o povo na avenida para morrer, é covardia.", destaca a baiana arretada, que faz questão de dizer que não entraria na avenida diante da atual situação.
"O Carnaval para mim é vida, é superação, é alegria. É tudo que vai acontecer em 2022. Perdemos muitas pessoas queridas, mas tenho certeza que o próximo carnaval será de muita superação.", diz Wilson Dias, nascido e criado no samba, que teve sua vida transformada pelo carnaval, e sabe da sua responsabilidade de reproduzir a mensagem de cuidados pela vida para a comunidade do samba.
"Aqui na Sapucaí foi onde eu realizei meu sonho. Quem diria que um dia um gari seria aplaudido nesse 'mundo'. O Carnaval é muito importante, mas é melhor ter o Rio parado, com saúde. Sambar é bom, brincar é ótimo, mas esse ano, a vacina está em primeiro lugar.", ressalta Renato Luís, o 'Gari Sorriso', vibrando com a chegada da vacina, e com a possibilidade de voltar com todo o vapor em 2022 fazendo o que mais gosta: Trabalhar enquanto mostra o seu amor pelo samba.
Sua majestade a campeã
Vencedora do Desfile das Escolas de Samba de 2020, a Unidos da Viradouro, de Niterói, já apresentou, inclusive, enredo para uma possível volta em 2022. Como não poderia deixar de ser, o tema vai girar em torno da pandemia e fazer uma ponte com a gripe espanhola em 1918, que também afetou o carnaval no passado.
Tarcísio Zanon, carnavalesco da Vermelho e Branco de Niterói, espera que o próximo ano, se possível sem pandemia, seja memorável para a escola que entrará na avenida para defender o título de campeã depois de 23 anos.
"Assim como diz o nosso enredo 'Não há tristeza que possa suportar tanta alegria', que fala do carnaval de 1919, pós-pandemia da gripe espanhola, e que foi reconhecido como o maior carnaval de todos os tempos. Foi o firmamento para o de hoje, para que nós tivéssemos o maior espetáculo da terra e ter no Rio o maior carnaval do mundo"
Componentes da agremiação falam com emoção, tristeza e esperança sobre o presente e o futuro do carnaval.
Prejuízos
Sem a folia, o Brasil vai deixar de arrecadar em torno de R$ 8 bilhões, de acordo com projeção da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
"Não estamos numa onda de crescimento da economia muito boa, mas jogando por baixo e baseado nos números do ano passado, o turismo movimentaria por volta de 8 bilhões de reais"
Fabio Bentes, economista da CNC
O economista confirma ainda que, mesmo com o cenário adverso para a economia, os ganhos com a data devem ficar no patamar de 30%.
"Mesmo sem ter o principal atrativo, que é o Carnaval, a movimentação deve ser normal de pessoas nos bares e restaurantes. Claro que isso vai sofrer uma variação de região para região, mas o Carnaval é como se fosse o Natal do turismo e, este ano, não vai ter", concluiu.
Já na rede hoteleira, o percentual de ocupação, sem a festa, deve apresentar patamar 37% menor frente ao ano que passou no mesmo mês de fevereiro, segundo projeção feita pela Associação de Hotéis do Estado (ABIH-RJ).
Em 2020, 78% já ocupavam os hotéis da cidade nessa mesma época. Agora, apenas 41% estão hospedadas. Em relação ao público, 8% vieram de outros países e 92% são brasileiros.
"O Rio de Janeiro possui uma vantagem competitiva frente a outros destinos, que é a sua diversidade de atrativos, que não se restringem somente as nossas belas praias. Temos um enorme leque de experiências culturais, de compras, gastronomia e natureza, além de pontos turísticos consagrados, como AquaRio, Roda Gigante Rio Star, Museu do Amanhã, entre outros, que nos permitem viajar dentro de nossa própria cidade. Os hotéis apostam nos próprios cariocas e fluminenses para ampliarem sua ocupação”, declara Alfredo Lopes, presidente do Sindicato dos Meios de Hospedagens do Município (Hotéis Rio) e conselheiro da Associação de Hotéis do Estado (ABIH-RJ).
O órgão tem a expectativa de fechar a data com 65% de toda a rede ocupada.
Bloco do fica em casa
De acordo com a Prefeitura do Rio, 494 blocos desfilaram pelas ruas da cidade no ano passado. Pela primeira vez, em 103 anos de história, o Cordão da Bola Preta, o mais tradicional bloco do carnaval carioca, não vai entoar seus hinos pelas ruas da cidade.
Escolas de samba e blocos carnavalescos estão proibidos de fazer eventos pela cidade no período de 12 a 22 de fevereiro. E, com isso, a folia do Bola Preta também teve que ser cancelada.
Presidente da Sebastiana, Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua da Zona Sul, Santa Teresa e Centro, Rita Fernandes sente emocionada a frustração por não contar com a folia este ano.
Edmaro Alexandre é diretor da liga de blocos do Coreto, que envolve mais de 35 blocos do Centro, Zona Norte e Zona Sul. e enfatiza (vídeo) que por ser cultura, o Carnaval jamais vai deixar de existir.
Ainda envoltos de incertezas, a expectativa de integrantes e também dos amantes do Carnaval é para que os tamborins voltem a esquentar e o clima da folia retorne ao que era antes. Assim como em 1919, quando foi realizado o primeiro Carnaval depois da gripe espanhola, em 2022 o público espera assistir as cores e os brilhos, nos olhos e na avenida e voltar a alegria de outros Carnavais. Deixando a música dos Los Hermanos de lado, o que se espera é que todos os Carnavais não tenham mais fim.
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