Restrição
Santa Catarina veta cotas raciais nas universidades estaduais
Instituições que desobedeceram podem pagar multa de R$ 100 mil

A Assembleia Legislativa de Santa Catarina aprovou, em votação simbólica, o projeto que impede universidades estaduais e instituições financiadas pelo governo de adotarem cotas raciais em seus processos seletivos e em editais para contratação de servidores. O texto segue para sanção do governador Jorginho Mello (PL).
A proposta, de autoria do deputado Alex Brasil (PL), reorganiza as modalidades de reserva de vagas permitidas pelo Estado. O projeto menciona apenas três grupos autorizados a concorrer por cotas: pessoas com deficiência, candidatos de baixa renda e estudantes formados em escolas estaduais públicas. Com isso, políticas voltadas à população negra, indígenas, pessoas trans ou refugiados deixam de ter respaldo legal no âmbito estadual.
Durante a discussão em plenário, Alex Brasil afirmou que ampliou o debate por considerar que ações afirmativas baseadas em critérios raciais ou identitários geram “distorções” e podem contrariar princípios constitucionais, como isonomia e impessoalidade.
O parlamentar argumentou que cotas devem priorizar quem enfrenta dificuldades econômicas, independentemente de origem racial. “Pode ser filho de pai negro, pode ser filho de pai branco”, disse.
A aprovação ocorreu sem registro nominal dos votos. A mesa diretora, porém, anunciou os nomes dos sete deputados que se colocaram contra a medida: Padre Pedro Baldissera (PT), Fabiano da Luz (PT), Neodi Saretta (PT), Marquito (Psol), Dr. Vicente Caropreso (PSDB), Paulinha (Podemos) e Rodrigo Minotto (PDT). Dois parlamentares não estavam presentes no momento da votação.
Entre as instituições afetadas está a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), que reúne cerca de 14 mil estudantes distribuídos entre cursos de graduação, mestrado e doutorado. Editais que descumprirem a nova regra poderão receber multa de R$ 100 mil, além da abertura de procedimento disciplinar contra agentes públicos envolvidos.
Críticas
Parlamentares da oposição afirmaram que a iniciativa representa um retrocesso nas políticas de inclusão no ensino superior. Fabiano da Luz, do PT, declarou que a exclusão das cotas raciais ignora desigualdades históricas que se refletem no acesso à educação.
“As cotas não são privilégio; são instrumentos para corrigir diferenças profundas que ainda estruturam o Brasil e também o estado”, afirmou.
O deputado citou dados do Censo 2022 mostrando que pretos e pardos representam 23,3% da população catarinense e recebem, em média, 40% menos que pessoas brancas. Ele também levantou dúvidas sobre a constitucionalidade da medida e afirmou que o tema deverá ser judicializado.
O que diz a OAB-SC
A Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina informou que fará uma análise jurídico-técnica aprofundada do texto aprovado pela Alesc. A entidade avalia que a proposta pode gerar conflitos com princípios constitucionais ligados à promoção da igualdade e ao enfrentamento de desigualdades estruturais.
Em nota, a OAB-SC afirmou que ações afirmativas não configuram discriminação, mas sim “um dever do Estado para assegurar condições reais de igualdade”, especialmente em um país marcado por desigualdades raciais históricas.
A instituição destacou que as cotas raciais foram reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal como constitucionalmente válidas e importantes para corrigir distorções de acesso ao ensino superior.
A entidade também pretende examinar eventuais impactos do projeto sobre a autonomia das universidades públicas estaduais. Segundo a OAB-SC, cabe às instituições de ensino definir políticas de ingresso de acordo com suas diretrizes acadêmicas e com estudos que apontem necessidades específicas de inclusão.
A seccional catarinense indicou que, caso a lei seja sancionada pelo governador, poderá adotar medidas cabíveis no campo jurídico para contestar eventuais inconstitucionalidades.
“A análise será feita com rigor técnico e levará em conta o compromisso com a promoção da igualdade material”, afirmou.
Cotas federais
A mudança não afeta instituições federais, como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que continuam regidas pela Lei de Cotas, vigente nacionalmente.
Em 2012, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade das cotas raciais e para indígenas nas universidades, afirmando que o modelo busca corrigir desigualdades estruturais e ampliar o acesso ao ensino superior.
O que diz a Educafro
Ao longo da tarde desta sexta-feira (12), a Educafro enviou ao governador Jorginho Mello uma carta em que solicita o veto integral ao projeto aprovado pela Alesc.
A entidade afirma que a proposta é “totalmente inconstitucional” e lembra que o Brasil é signatário de convenções internacionais, entre elas, a Interamericana contra o Racismo, que determinam ao Estado a adoção de políticas afirmativas no combate às desigualdades.
No documento, a organização menciona ainda a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em especial a ADPF 186, julgada por unanimidade, que reconheceu a constitucionalidade das cotas raciais em universidades. Para a entidade, a Assembleia catarinense “desconhece a história do próprio povo de Santa Catarina” ao aprovar o texto.
A Universidade do Estado de Santa Catarina, principal instituição afetada pela medida, já demonstrou preocupação com possíveis inconstitucionalidades e acompanha a tramitação.
Segundo a Educafro, caso o governador não vete a proposta no prazo de cinco dias, um grupo de cinco advogados voluntários da entidade deve recorrer diretamente ao Supremo Tribunal Federal.
O governo de Santa Catarina ainda não se manifestou sobre a sanção da proposta.

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