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    Estudo

    País teve mais de 20,2 mil operações em dois anos de pandemia

    Dados estão em boletim da Rede de Observatórios da Segurança

    Publicado 18/08/2022 às 9:56 | Autor: Enfoco
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    Foram registradas 1.989 mortes no período
    Foram registradas 1.989 mortes no período |  Foto: Marcelo Tavares

    Em dois anos de pandemia de Covid-19 - de julho de 2020 a junho de 2022, a Rede de Observatórios da Segurança registrou 20.243 ações policiais em cinco dos sete estados em que atua (Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo), com um total de 1.989 mortes.

    O número representou quase metade dos cerca de 50 mil eventos monitorados pelos observatórios estaduais no período. Desse total, 12.693 foram ações de patrulhamento, 6.671 operações policiais e 879 ações de combate ao novo coronavírus. Os dados constam do boletim Raio-x das ações de policiamento, divulgado nesta quinta-feira (18) pela rede.

    Dos cinco estados relacionados, o único que apresentou aumento do número de ações policiais, na comparação do primeiro período da pandemia (julho de 2020 a junho de 2021) com o segundo (julho de 2021 a junho de 2022), foi o Rio de Janeiro (5,96%).

    Esse aumento das ações de policiamento está ligada “possivelmente” à proximidade das eleições, disse a pesquisadora da rede Bruna Sotero.

    “Nos últimos meses, em todos os estados, houve aumento no número dessas ações, o que evidencia possível relação com o período eleitoral, principalmente com o objetivo de ocupar as manchetes dos jornais”.

    Bruna explicou que no território fluminense, o crescimento das ações policiais vem sendo observado desde o ano passado, enquanto, nos demais estados tem ocorrido principalmente nos últimos meses.

    De acordo com o boletim, no trimestre de abril, maio e junho deste ano, as ações policiais somaram, respectivamente, 681, 962 e 934, alta de 18% em relação às 584, 736 e 849 observadas no mesmo período de 2021.

    O mês em que ocorreu o maior crescimento das ações policiais foi maio de 2022 (30%), em comparação com o mesmo período do ano anterior. Os dados mostraram que governadores candidatos à reeleição tendem a “mostrar serviço”, à medida em que se aproxima a votação.

    Chacinas

    A pesquisadora observou também que o Rio de Janeiro foi o único estado em que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, em maio de 2020, a restrição das operações policiais em comunidades, enquanto vigorasse a emergência sanitária.

    Apesar de ainda estar em vigor, a rede constatou que a ADPF 635 foi desafiada pelas polícias e autoridades governamentais fluminenses, resultando nas maiores chacinas registradas em operações policiais, em maio de 2021 e maio de 2022, nas favelas do Jacarezinho e da Vila Cruzeiro, respectivamente.

    “A gente vê que é uma política institucionalizada”. De um ano pesquisado para o outro, as ações de policiamento no estado do Rio subiram de 2.854 para 3.024.

    O Ceará, que teve duas chacinas nos últimos 12 meses, representando o dobro do período anterior, preocupa a Rede de Observatórios da Segurança porque não apresenta a mesma dinâmica do Rio, com ações decorrentes de operações policiais em que são mortas mais de três pessoas. ”Mas precisamos estar atentos ao que está ocorrendo, buscar o por quê desse aumento”, disse a pesquisadora.

    As 1.989 mortes contabilizadas pela rede, no período de dois anos, significam que a cada dez horas uma pessoa morreu em ação de policiamento. De acordo com o boletim, o estado mais letal, considerando a proporção média de mortes por ação monitorada, foi a Bahia, onde 16% das operações resultaram em mortes. No Rio de Janeiro, 10,4% dos registros geraram mortes e, em São Paulo, 11,8%.

    Para a Rede de Observatórios de Segurança, o Rio de Janeiro e a Bahia “são exemplos de corporações com cultura de tolerância com a brutalidade, corrupção e valorização da violência policial”.

    No mesmo período, 47 agentes morreram em ação, o que pode sinalizar que as mortes, durante as operações, seriam uma retaliação à população e um padrão nacional de polícias que usam a força de forma abusiva.

    A pesquisadora destacou que durante a pandemia, as pessoas pobres, pretas e faveladas desses territórios ficaram reféns da violência e sofreram duas vezes. “Além de se protegerem do vírus, tinham que fugir dos tiros”.

    Drogas e armas

    Bruna Sotero afirmou que embora grande parte das ações tenha como motivação o combate ao tráfico de drogas, as apreensões de entorpecentes não são rotina. Na média dos dois anos monitorados, menos de 26% das ações policiais resultaram em apreensão de drogas. O Ceará foi o estado que registrou menor número de apreensões (7%) no último ano. “Não tem surtido efeito positivo para a população”, disse Sotero. O combate ao tráfico de drogas é considerado uma política ineficaz.

    O mesmo ocorre em relação à apreensão de armas que, segundo Bruna, é indicativo para aumento da letalidade e da insegurança. A política de ampliação do acesso da população às armas no Brasil foi criticada pela pesquisadora.

    “Eles [as autoridades] continuam investindo em uma política totalmente ineficaz [de combate às drogas] e, em contrapartida, ao invés de apostar no controle do armamento e na apreensão de armas ilegais, aumentam a chance de as pessoas andarem cada vez mais armadas e de maior circulação de armas”.

    O boletim indica que 76% das mortes violentas no país são causadas por armas de fogo, com apreensões em somente 15% das operações. São Paulo é o estado com o menor registro proporcional, de 13% e 12%, nos dois anos analisados. No período pesquisado, foram apreendidas 540 armas, sem mortes. Bruna argumentou que a facilidade de acesso às armas no país “aumenta a possibilidade de conflitos interpessoais”. A arma passa a ser vista como meio para a resolução de conflitos, acrescentou.

    O boletim destaca que ações de policiamento não são monitoradas pelos governos. Afirma que, com raras exceções, como se vê recentemente em São Paulo, agentes de polícia realizam nas ruas as ações que acham importantes, sem qualquer supervisão e sem avaliação de sua efetividade.

    Forças

    Entre as forças policiais envolvidas nas ações de julho de 2020 a junho de 2022, a Polícia Militar respondeu pela maior presença no policiamento diário, com 56,15% do total de operações, seguida pela Polícia Civil (33,52%), Guarda Municipal (6,72%), Polícia Rodoviária Federal (6,01%) e Polícia Federal (4,36%).

    O boletim chama a atenção para o aumento da participação da Polícia Federal nas operações e patrulhamentos no Rio de Janeiro (15%), em São Paulo (25%) e no Ceará (28%), com significativo crescimento da participação da Guarda Municipal em Pernambuco (60%). Também houve ampliação das ações da Polícia Rodoviária Federal no Rio (36%), com expressiva participação em ações violentas e de alta letalidade, como a Chacina no Complexo da Penha.

    Patrimônio

    O levantamento ressalta que as operações motivadas por crimes contra o patrimônio, relacionadas principalmente a furtos e roubos de automóveis, residências e a roubos de rua, foram as que tiveram maior crescimento entre os dois períodos (159%). Isso seria explicado pela flexibilização de políticas de controle da pandemia e o aumento da circulação de pessoas nas ruas. O maior registro nesse tipo de motivação ocorreu em São Paulo (614%), seguido do Rio de Janeiro com 240%.

    Integração

    A avaliação da rede é que segurança pública é vista como soma de operações policiais, mortes e apreensão de drogas quando, na verdade, deveria ter um sentido mais amplo. Para Bruna Sotero, a política de segurança pública não pode entrar só com a polícia, mas deve ser uma ação integrada.

    “Não se pode entrar nesses territórios só com a polícia, mas com educação, saúde, saneamento básico, para que as pessoas possam ter uma vida melhor”. Ela espera que a partir dos dados revelados no boletim, seja feita uma análise dos pontos negativos da segurança pública e se comece a pensar em política integrada para o setor.

    Posicionamentos

    A Secretaria da Segurança Pública da Bahia informou que os dados apresentados na pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança estão em total desacordo com a produtividade das ações policiais no período analisado, com números “absurdamente subnotificados”.

    Só de drogas apreendidas entre os anos de 2020, 2021 e o primeiro semestre de 2022, foram cerca de 100 toneladas provenientes de operações das polícias Militar e Civil, além de ações realizadas conjuntamente com as polícias Federal e Rodoviária, incluindo a erradicação de plantações de maconha. No mesmo período, 98 fuzis foram retirados das mãos de criminosos na Bahia.

    O levantamento também apresenta dados relativos ao número de pessoas presas em operações policiais. “Apenas uma operação da Polícia Civil, a Uno Corpus, foi responsável pela prisão de 516 pessoas, o que demonstra total descompromisso da pesquisa com a realidade”.

    A Secretaria Estadual de Polícia Militar do Rio respondeu, por meio da assessoria de imprensa, que as ações da corporação “são precedidas e direcionadas a partir de informações do setor de inteligência e de órgãos oficiais, como o Instituto de Segurança Pública (ISP), sendo executadas com base em protocolos técnicos definidos pelas legislações e determinações judiciais vigentes”.

    Acrescentou que somente neste ano de 2022, foram presos mais de 19.800 criminosos, apreendidos mais de 2.300 adolescentes infratores e retiradas das ruas mais de 3.900 armas de fogo, sendo 221 fuzis.

    A Polícia Federal, por sua vez, comunicou que não comenta declarações ou divulgações de outras instituições.

    Até o fechamento desta matéria, não foram recebidas respostas das secretarias de Segurança Pública do Ceará, de Pernambuco e São Paulo, nem da Polícia Rodoviária Federal.

    Agência Brasil

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