Erika Figueiredo - Direito e Muito Mais
Sobre o Amor
O amor, ao longo dos séculos, modificou-se e adquiriu uma característica peculiar, no mundo em que vivemos: a da instantaneidade. Essa metamorfose foi objeto de estudo do psicanalista Joel Birman, o qual intitulou as relações afetivas da modernidade de “amores líquidos”.
Birman notou que, hoje em dia, o que se espera das relações é o prazer imediato e o atendimento das próprias necessidades, automaticamente, pouco importando o outro, como pessoa, à nossa frente. Assim, as pessoas tornaram-se consumíveis, escorrendo pelos dedos, e a fila anda toda vez que as expectativas não são atendidas prontamente. Daí vem a liquidez, por ele descrita.
O mito de Orfeu nos ensina muito sobre o amor. Orfeu se apaixona por Eurídice, e casa-se com a bela jovem, que morre ao pisar em uma serpente, fugindo de um perseguidor. Desesperado, Orfeu consegue chegar ao mundo dos mortos, e Hades lhe permite resgatar sua amada, em um barco guiado por um gondoleiro.
O Deus das profundezas estabelece, contudo, uma condição: Orfeu não poderá olhar para as sombras em que se encontra sua amada, até que o barco em que viajam chegue à luz do sol. Após ser tocada pela luz, Eurídice recuperará a vida.
Ocorre que, apesar de concordar com a oferta, em determinado momento do percurso, Orfeu olha para trás. O corpo de Eurídice é, então, engolido pelas sombras, e este perde a mulher amada para sempre. Triste, mas verdadeiro, se transposto para a cena atual, essa é a ideia de amor que se tem, hoje.
Nós, humanos e imperfeitos, não conseguimos mais alcançar a essência do amor. As relações afetivas estão baseadas em desejos efêmeros e sentimentos rasos, que não se sustentam em momentos de sombra, para utilizarmos a metáfora do mito de Orfeu.
Em situações de crise, ao invés de esperarmos que o barco do amor nos leve de volta à luz, não resistimos a mirar as sombras do parceiro, o que nos acarreta a desvalorização do parceiro e a perda da relação, uma vez que só enxergamos os defeitos e as limitações do outro, quando o egoísmo nos invade.
Ter objetivos em comum é olhar para o sol, é projetar um futuro juntos, de modo inquebrantável, e esse é o segredo para relações duradouras e plenas, as quais atravessarão suas dificuldades, mas terão condições de conduzir o barco do amor em segurança.
Pode parecer piegas e fora de contexto, um artigo sobre o amor em tempos tão velozes. Mas o que precisamos compreender é que a persistência e a luta incessante pelo sentido das coisas, pelo objetivo último de cada área de nossas vidas, é o que nos fará alcançar êxito na nossa busca.
Portanto, ao falar sobre o amor romântico, podemos fazer uma analogia com a amizade, com o trabalho, com as relações entre pais e filhos, e com o modo pelo qual estamos conduzindo nossos “barcos”. Estamos sendo imediatistas, e negligenciando o todo? Estamos buscando um prazer ou um ganho imediato, sem focar no que realmente importa?
Não podemos nos esquecer da famosa frase, sempre replicada por Jordan Peterson, o célebre psiquiatra canadense, "quem tem um ‘porquê’, aguenta qualquer ‘como’ ”. Se você sabe o que o sol significa para você, as sombras não te farão desistir.
Então, ao se deparar com dificuldades na convivência com quem você ama, ou no trabalho que você adora, com filhos que você tem como seu tesouro maior, ou em qualquer outra esfera de sua vida, avalie se você está tendo a determinação que faltou a Orfeu, e se pode esperar o barco que conduz essa relação atingir a luz.
Aproveite e reze o terço, faça uma prece, converse com Deus. Ele é o barqueiro que a todos conduz. Entregue a ele o seu pedido, a sua vida, a sua intolerância e a sua impaciência. E peça-lhe para que não permita que você fite as sombras, mas sim, almeje ver o sol. Ele sempre aparece. E guia o nosso barco, em direção à claridade e ao porto seguro da felicidade.
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