Política
Marconny investigado e ex-mulher de Bolsonaro convocada
Os senadores presentes à reunião da CPI da Pandemia desta quarta-feira (15) mostraram indignação com o depoimento de Marconny Albernaz de Faria, acusado de fazer lobby na negociação de contratos da Precisa Medicamentos com o Ministério da Saúde.
Em diversas respostas, Marconny foi evasivo, alegou esquecimento ou invocou o direito ao silêncio obtido em habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso levou o relator Renan Calheiros (MDB-AL) a qualificar o depoimento como o mais "cínico" desde o início da investigação e a mudar a condição de Marconny de testemunha para investigado da comissão.
"As descobertas vão sendo feitas e podem ser resumidas na seguinte imagem: você puxa uma pena e vem um, dois galinheiros", disse o relator.
Outro desdobramento foi a convocação de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro e mãe de um de seus filhos, Jair Renan, em razão de seus vínculos com as atividades de Marconny.
Respostas vagas
Duas semanas atrás, Marconny havia apresentado um atestado médico para não comparecer à CPI, levando a comissão a ameaçar trazê-lo "sob vara" (coerção judicial).
O depoente foi vago em relação à sua atividade profissional, limitando-se a dizer que tem uma "empresa de assessoramento técnico-político" que faz "análise de estudos de viabilidade política" para empresas privadas. Ao relator Renan Calheiros, ele admitiu que teve parlamentares como clientes, mas alegou o sigilo dos contratos para não revelar nomes.
"Pelo fato de eu ser de Brasília, fiz uma análise de viabilidade técnico-política para a Precisa, que tinha como objetivo aquisição de testes rápidos para detecção de covid-19", limitou-se a explicar.
Marconny negou ser lobista, dizendo que seria péssimo na função, o que levou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), a gracejar, comparando-o ao personagem Coiote, de desenho animado, que persegue em vão o Papa-Léguas.
Irritado com as evasivas do depoente, Omar Aziz lembrou um vídeo da internet em que Marconny aparece discursando em tom veemente em manifestações pró-governo:
"Para subir em caminhão para falar mal de político, aí é macho. Mas quando o calo aperta, aí o cabra não é mais macho. Vai ao Supremo, tem diarreia, pede atestado médico. Chega aqui, a conversa é diferente", protestou.
De acordo com Omar Aziz (PSD-AM), Marconny pertenceria a um grupo formado pelo deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), pelo ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, pelo ex-secretário da Anvisa José Ricardo Santana e outros, suspeitos de operar em licitações.
'Arquitetura ideal'
Em mensagens de julho de 2020, obtidas pela CPI, Marconny conversa com Santana sugerindo "a arquitetura ideal", aparentemente para direcionar um processo de licitação de compra de testes rápidos contra covid-19, eliminando concorrentes para atingir um resultado desejado. A licitação foi abortada pela Operação Falso Negativo, do Ministério Público do Distrito Federal.
O depoente disse não ter "nenhuma relação" com Roberto Ferreira Dias, embora o chamasse de "Bob" e o tenha recebido em sua casa para tratar da licitação, como demonstram as mensagens.
Em determinado momento, Marconny afirmou não conhecer nenhum senador da República, embora nas mensagens de seu celular ele faça referência a conversas com um "senador". Para esclarecer a questão, Leila Barros (Cidadania-DF) pediu que a Polícia Legislativa levantasse o registro de todas as entradas de Marconny nas dependências do Senado.
Convocação de Ana Cristina
Usando as mensagens de posse da CPI, os senadores procuraram estabelecer as relações do depoente com pessoas próximas ao presidente Jair Bolsonaro. Em resposta a Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Marconny admitiu ter comemorado seu aniversário no camarote de Jair Renan Bolsonaro, filho do presidente, no Estádio Mané Garrincha, em Brasília. Quando ressalvou que a festa não era ilegal, Alessandro rebateu:
"A ilegalidade não está na festa, está no que se consegue nas festas. Elucida-se por que vale a pena contratar o Marconny. O Marconny é o cara que vai para o churrasco com a advogada do presidente [Karina Kufa] e que faz a sua festa de aniversário no camarote do filho do presidente.
Por requerimento de Alessandro Vieira, foi aprovada a convocação de Ana Cristina Siqueira Valle, mãe de Jair Renan Bolsonaro e ex-mulher do presidente.
Um exemplo da atuação de Marconny levantado pelos senadores foi a tentativa de indicar nomes para cargos públicos, em especial a indicação de Márcio Roberto Teixeira Nunes para a diretoria do Instituto Evandro Chagas, de pesquisa biomédica, em Belém. As mensagens apreendidas mostram as gestões do depoente para levar o nome de Nunes a Jair Bolsonaro, por intermédio de Karina Kufa. Nunes foi preso em outubro numa operação da Polícia Federal, que investiga corrupção no instituto.
"O indicado pelo senhor, nos diálogos com Karina Kufa, tem, entre outras coisas: "Já encaminhei o currículo pro presidente", e o currículo que foi encaminhado ao presidente resultou na nomeação depois no Instituto Evandro Chagas", relatou o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Em diferentes momentos, senadores, como Jean Paul Prates (PT-RN) e Otto Alencar (PSD-BA), afirmaram que o depoente mereceria voz de prisão por seu comportamento:
"Não abuse da paciência dos senadores, não zombe da legitimidade dos que o povo elegeu", reforçou Jean Paul.
"Já passou da hora de ganhar uma pulseira", afirmou Otto.
Randolfe Rodrigues respondeu ter cogitado a prisão, mas que seria preciso fazer uma consulta ao Supremo Tribunal Federal.
"Não me falta a vontade de pedir sua detenção por falso testemunho. Isso só não ocorreu porque não temos clareza da limitação do habeas corpus", disse o vice-presidente da comissão.
Investigado
Marcos Rogério (DEM-RO) classificou Marconny como “vendedor de ilusões” porque, na sua avaliação, ele tenta mostrar expertise em consultoria sem ter contato com parlamentares ou pessoas influentes no governo Bolsonaro.
Em sua intervenção, Eduardo Girão (Podemos-CE) reiterou seu pedido de que o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, seja convidado a depor e falar das operações realizadas nos estados contra desvios de recursos federais para enfrentar a pandemia. Omar Aziz disse concordar com o pedido, mas ressalvou que Rosário terá que explicar por que a CGU não agiu para desbaratar o esquema de corrupção que, segundo ele, operou no Ministério da Saúde nos últimos anos:
"O que ele fez no Amazonas, [era] obrigação; o que ele fez nos outros estados, obrigação. O que o Wagner Rosário, que é servidor público de carreira, não fez, prevaricou. E aí, senador Renan, eu estou exigindo que o nome dele esteja dentro do relatório por ter prevaricado. A função dele é esta: é fiscalizar, é fazer operação", concluiu Omar.
Relatório
O relator Renan Calheiros não descartou a possibilidade de estender as apurações da CPI caso apareçam fatos novos. Ele afirmou nesta quarta-feira que a proposta de relatório, cuja entrega está prevista para a semana que vem, deve incorporar as contribuições de um grupo externo de personalidades, coordenado pelo jurista Miguel Reale Jr.
Fonte: Agência Senado
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