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    Polícia

    Exército do tráfico se fortalece sem polícia nas comunidades

    Publicado 24/09/2021 às 20:29 | Atualizado em 26/09/2021 às 12:20 | Autor: Alan Emiliano
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    Imagem ilustrativa da imagem Exército do tráfico se fortalece sem polícia nas comunidades
    |  Foto: Foto: Lucas Benevides
    Compostas por becos e vielas, comunidades são reféns de infra-estrutura e paz no Estado. Foto: Arquivo/Lucas Benevides

    "Onde o Estado não entra, o tráfico faz a festa, literalmente"

    O relato do morador do Morro do Viana, em São Gonçalo, que nessa reportagem será identificado como C.M.D, de 57 anos, resume o sentimento de um entre os mais de mil habitantes em comunidades no Estado do Rio de Janeiro. Sem qualquer investimento do poder público, quem vive essa realidade também enfrenta o desafio de manter suas crianças longe das sedutoras propostas do tráfico de drogas. A batalha enfrentada por cerca de 10% da população do estado que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), reside em áreas carentes.

    "Infelizmente é uma realidade complexa e bem diferente das mostradas pela mídia. Não temos qualquer investimento do Governo do Estado e, às vezes, o tráfico acaba por suprir essas necessidades, seja com uma distribuição de brinquedos em festas infantis ou uma ajuda com cestas básicas. Se você perguntar para uma criança, ela não sabe quem é o prefeito, mas sabe quem é o dono do morro"

    C.M.D

    E se de um lado, existe o morador ansioso pela intervenção do estado, há também quem não se importe com a presença de criminosos na comunidade. Como é o caso do comerciante, que nessa reportagem será identificado como R.V.G, de 48 anos. Há 15 anos morando na comunidade Boa Vista, em Niterói, ele afirma ser possível acostumar-se a presença de traficantes.

    "Na maioria desses casos, o cara nasce e morre na favela sem conquistar nada. Essa desculpa de que o favelado não cresce por falta de oportunidades é mentira. Atualmente, moro em uma área de fácil acesso e sem esse tipo de problema. Quem quer, estuda e sai. O que não pode é ficar descontando o fracasso na conta do governo e ficar na 'mão' de bandidos"

    Exército do crime

    barricadas
    Barricadas são frequentemente utilizadas por criminosos para dificultar a entrada de policiais em comunidades. Foto: PMERJ

    Em recente estudo divulgado pela Polícia Civil, o crime organizado no estado já conta com mais de 60 mil 'soldados'recrutados por facções criminosas e grupos paramilitares. Eles se utilizam de táticas de guerra para expandir lucros oriundos de práticas irregulares e evitar com que o Executivo atue nessas regiões conflagradas pela criminalidade.

    Segundo o representante da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), a elite da Polícia Civil, Fabrício Oliveira, os criminosos acabam mantendo uma rotina de implementação de estratégias que reprimem e dificultam a realização de buscas e cumprimento de mandados de prisão. Segundo ele, a limitação operacional imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) acabou por facilitar a ação e os criminosos praticamente ganharam um 'alvará de funcionamento'.

    "O crime organizado no Rio de Janeiro é dividido: 80% de dominação do tráfico de drogas e 20% de grupos paramilitares [milícia]. Somente o Comando Vermelho — maior facção criminosa do Estado — controla 828 favelas. Criminosos acabam se utilizando de diversas práticas, como a instalação de barricadas, explosivos, além do forte poderio bélico existente em várias comunidades"

    Ainda segundo Fabrício, muitas crianças e adolescentes são recrutados por lideranças do tráfico com o seguinte álibi:

    'Não adianta estudar, o crime compensa. Estamos pesados, vem com os crias'

    O resultado desse 'recrutamento' é a presença desses menores em entradas de comunidades informando entradas e saídas de policiais.

    Em julho, o Enfoco publicou uma reportagem a respeito do crescimento no número de jovens no mundo obscuro do crime. Um dos entrevistados, um ex-traficante de 27 anos, revelou os dias como criminoso e dedicou a sua recuperação à uma unidade socioeducativa em São Gonçalo.

    "Dentro da favela é bem difícil que não haja o 'convite' por parte dos traficantes para que os jovens, muito carentes, entrem na vida do crime. E acredite se quiser, muitas famílias acabam apoiando a decisão. De fora, acaba sendo fácil falar mal dessa escolha, mas só quem passa pela miséria acaba entendendo o que é entrar para o crime"

    Motivação

    Segundo o sociólogo Rafael Mello, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a principal motivação para que o tráfico tenha entrado e expandido sua área de atuação é a ausência do poder público, seja ele estadual ou municipal, nas comunidades do Rio de Janeiro. Segundo ele, as consequências são as já conhecidas, deixando os moradores dessas regiões conflagradas, abandonadas a própria sorte.

    "O morador de comunidade vive de forma aflita. Ele não consegue sair de casa com a certeza que sua moradia ficará intacta, sem efeito colateral das famosas operações policiais, que deixam crianças e idosos na mira da bala, seja ela vinda do tráfico ou da polícia. Precisamos fazer com que o estado entre com cultura, educação, esporte e lazer nessas comunidades e não somente na bala. Sem entrar com oportunidades e cursos profissionalizantes para tirar a ideia do 'traficante é o rei da favela', a perspectiva é de mais mortes, mais repressão e nenhum desenvolvimento nessas áreas".

    Rafael Mello, sociólogo

    Vítimas da guerra

    tráfico de drogas
    Caso João Pedro chocou o país com a morte do adolescente e a destruição a família no Complexo do Salgueiro em São Gonçalo. Foto: Lucas Benevides

    A última vítima da guerra armada foi a auxiliar de serviços gerais Luciene Gomes de Souza, de 45 anos, moradora da comunidade Vila Aliança, na Zona Oeste do Rio. Ela foi atingida por um tiro, oriundo de confrontos entre policiais e traficantes, na manhã desta quinta-feira (23). Embora o destino do disparo tenha sido seu corpo, a vítima não teve o mesmo final de outras centenas de moradores inocentes, que tiveram a vida ceifada pelo conflito bélico.

    Um dos casos mais emblemáticos dos últimos anos aconteceu no Complexo do Salgueiro, em maio de 2020, e destruiu a família do adolescente João Pedro Mattos, de 14 anos. Ele foi morto durante uma intensa troca de tiros em Itaoca. Três policiais, que participaram da operação fatal, foram indiciados por tentativa de homicídio culposo.

    Pactos e promessas

    Questionado sobre políticas de inclusão nas comunidades, o Governo do Estado afirmou que, no mês de julho, lançou o PactoRJ — considerado pelo foverno Cláudio Castro, o maior pacote de investimentos para a retomada social e econômica do Estado.

    Segundo o governo, serão investidos R$ 17 bilhões nos próximos três anos em mais de 50 projetos nos 92 municípios do estado. Com as intervenções, a estimativa é que sejam gerados 150 mil novos postos de trabalho.

    Entre as ações do PactoRJ estão a instalação de um Restaurante do Povo em São Gonçalo e duas unidades do Café da Manhã do Trabalhador no município. As ações vão receber um investimento de R$ 13,25 milhões, conforme lembrou o Governo.

    Apesar dos anúncios de investimentos, o Governo do Estado não informou qualquer programa de intervenção para o desenvolvimento urbano em comunidades.

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