Cidades
Vírus encontra na omissão do poder público foco de contágio nos transportes
Um ano desde o primeiro caso confirmado de Covid-19 no Brasil, medidas restritivas voltaram a assombrar cidades do país. Rio, Niterói e São Gonçalo, por exemplo, adotaram novas regras e horários para o funcionamento de estabelecimentos comerciais, bares e restaurantes. No entanto, a preocupação do poder público com aglomerações parece não chegar ao transporte público, expondo decisões contraditórias enquanto a vacinação segue em ritmo lento e o temor de novas perdas aumenta.
Segundo Bruno Scarpellini, mestre em Saúde Pública e epidemiologista e infectologista do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas da Fiocruz, o histórico de superlotação pesa negativamente sobre o setor e contribui para uma maior disseminação do vírus.
"A saída seria um escalonamento de horários de diferentes trabalhadores, junto à iniciativa privada e pública, para que se possa colocar em fases o uso desses transportes, porque a maioria não tem distanciamento e não estão arejados o suficiente para garantir a adesão às regras, então as pessoas estão sob risco"
Vilão
O discurso é ratificado pelo também infectologista da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) José Pozza, ao explicar que, além do histórico, o setor é considerado um dos vilões para a propagação do vírus entre a população.
"Claro, algumas medidas poderiam ser tomadas, talvez o aumento da frota completa o dia inteiro, diminuir intervalos entre as saídas para que se evite lotação nesses setores. Mas acredito que isso [os transportes] ainda tenha chance de continuar sendo um foco de transmissão grande, sem solução a curto prazo"
Para tentar garantir alguma segurança aos passageiros e amenizar os transtornos causados pela pandemia nos trajetos, a Prefeitura de São Gonçalo, por exemplo, informa que a frota do município deverá estar em 100% e com capacidade de lotação limitada a passageiros sentados. Além disso, as janelas dos coletivos devem estar abertas e destravadas para a circulação de ar.
O novo decreto publicado no Diário Oficial do Município desta sexta-feira (5) diz ainda que as empresas concessionárias de transporte
público, enquanto permanecer a pandemia do Covid-19 no país, precisam
disponibilizar álcool em gel 70% a empregados e passageiros e impedir o acesso de passageiros que não estiverem utilizando máscaras.
"Pelo que percebo as pessoas usam as máscaras quando entram nos ônibus. Vejo muita gente com ela. Mas o movimento nas ruas está normal, muita gente indo trabalhar e, com certeza, os ônibus ficam cheios. Não temos outra opção"
Beatriz Sousa, de 34 anos, operadora de telemarketing
Em Niterói, a recomendação da prefeitura é apenas para que passageiros utilizem máscaras. Com o movimento normal de trabalhadores pelas ruas, o que se vê são ônibus lotados. O novo decreto não faz qualquer menção a quantidade de coletivos nas ruas. A administração da cidade não esclareceu se pretende garantir o aumento frota ou se existe algum planejamento voltado às empresa de ônibus para garantir a circulação coletivos, ou seja, pelo menos em Niterói a lotação deve continuar.
Já nas barcas, desde o anúncio do aumento nos intervalos feito pela CCR Barcas, no mês de fevereiro, a iniciativa acabou gerando mais espera e aglomerações no meio de transporte. A administradora do transporte informa que cumpre rigorosamente os decretos e medidas preventivas para o combate ao novo coronavírus e que, durante a pandemia, cabe ao Poder Concedente, o Governo do Estado do Rio de Janeiro, determinar os horários da operação do transporte aquaviário.
A justificativa para o aumento nos intervalos, ainda segundo a CCR Barcas, é que a grade está de acordo com o Decreto Estadual 47.489/2021, que dispõe sobre medidas relacionadas ao transporte público no atual período de enfrentamento à Covid-19.
Prejuízos
A pressão por soluções nos transportes em meio à pandemia acaba gerando déficits financeiros alegados por sindicatos e donos de empresas de transporte públicos. Segundo dados do Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviárias do Estado do Rio de Janeiro (Setrerj), com a pandemia, a soma do prejuízo das empresas de ônibus que compõem a região do sindicato foi de aproximadamente R$ 22 milhões, somente no sistema municipal, que, no período, teve uma redução de demanda de 70%.
Segundo a Federação das Empresas Transportes de Passageiros do Estado do Rio (Fetranspor), o setor de ônibus no estado do Rio perdeu R$ 1,7 bilhão em receita, o que representa um prejuízo de R$ 713 milhões, levando em consideração o período de março a junho de 2020, se comparado a 2019.
A Fetranspor alega que mesmo com o final do isolamento social, a situação não vai se normalizar a curto prazo e que as empresas de ônibus vêm alertando para essa situação desde o início da pandemia.
Segundo o presidente do Sindicato dos Rodoviários de Niterói a Arraial do Cab (Sintronac), Rubens dos Santos Oliveira, a ajuda que viria do Governo Federal foi cancelada junto com os aportes financeiros que viriam para o setor de transporte público. Até o final de 2020 o sindicato já lamentava o temor de quase sete mil dispensas de rodoviários apenas em Niterói e Região.
"Os governos têm-se mostrado, em todos os níveis, insensíveis aos apelos do setor de transportes. Como o veto do Governo Federal ao socorro de R$ 4 bilhões, aprovado pelo Congresso Nacional, valor que poderia cobrir, em parte, as perdas financeiras das companhias e evitar demissões. O governo não renovou, ainda, o Benefício Emergencial (BEm), que ajudou a compor os salários ao longo do ano passado, diante da política de redução da jornada de trabalho adotada pelas empresas"
De acordo com o Sintronac, estados e municípios devem milhões referentes aos repasses das gratuidades o que, segundo o sindicato, também aliviaria o colapso contábil das empresas, que, de quebra, não vislumbram a possibilidade de reajuste no preço das passagens.
A constante alta no preço dos combustíveis também alerta para uma crise sem precedentes no setor que já conta com milhares de demissões de rodoviários.
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