Baía de Guanabara limpa?
O sonho de poder mergulhar na Praia das Pedrinhas, em SG
Obras de revitalização atiçam o desejo da comunidade local

A fartura de peixes e o vaivém do comércio poderiam ser ainda mais vibrantes se as águas da Praia das Pedrinhas, às margens da BR-101, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, estivessem limpas.
Pescadores, moradores e comerciantes sonham em ver a Baía de Guanabara recuperada, e poder mergulhar ali sem medo, como já acontece na Praia do Flamengo, na Zona Sul do Rio.
Eles acreditam que a despoluição traria mais turistas, aqueceria as vendas dos bares e restaurantes e devolveria à comunidade o orgulho de viver à beira-mar.
Sem dar prazos, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) afirmou ao ENFOCO que cerca de R$ 6 bilhões deverão ser investidos para despoluir as bacias da Baía da Guanabara, do Rio Guandu e do Complexo Lagunar de Jacarepaguá.
Enquanto a Águas do Rio informa que está na fase final da implantação de mais 1,5 km de rede de esgoto na Praia das Pedrinhas. Além disso, a companhia diz que está investindo R$ 120 milhões na construção de cinco Coletores em Tempo Seco (CTS) em São Gonçalo. Leia os posicionamentos completos no final da reportagem.
Riqueza natural
Mesmo com a poluição, o mar continua generoso: camarão, tainha, sardinha e corvina ainda garantem o sustento de muitas famílias da comunidade pesqueira. Mas todos concordam que o cenário poderia ser melhor com condições de balneabilidade favoráveis, coisa que há muitos anos não se vê por ali, devido ao acúmulo de lixo, esgoto e lama.
“Isso aqui é uma riqueza que você nem imagina. Acho que se ficarmos seis meses sem pescar, o peixe pula pra dentro do barco, de tanto que vai ter. É 24 horas. Um pescador vai de madrugada, outro de dia, outro de noite. Não para. Agora está na época do camarão, mas vem sardinha, parati, barroquete... depende da malha também. Imagina se estivesse tudo direitinho? Tem boto... antigamente você via na beira", revela Marcelo de Freitas Machado, de 49 anos, pescador da região.

Mas o sonho de ver novamente uma água limpa e própria para banho não é impossível: um exemplo vem da Praia do Flamengo, na Zona Sul do Rio. Depois que o esgoto que antes era lançado diretamente na Baía de Guanabara começou a ser tratado, cerca de 114 milhões de litros de dejetos deixaram de cair diariamente no local.
Uma das etapas mais importantes desse processo foi a limpeza do Interceptor Oceânico, um túnel com nove quilômetros de extensão e 5,5 metros de diâmetro, responsável por captar o esgoto de 13 bairros e levá-lo até o emissário submarino de Ipanema. Foram retiradas três mil toneladas de lixo do interior dessa estrutura.

O resultado apareceu rapidamente: boletins de balneabilidade do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) mostram que a recuperação das águas do Flamengo vem sendo constante. Em 2023, a praia esteve própria para banho em 63% das análises entre julho e dezembro, contra 36% no mesmo período do ano anterior. No ano seguinte, o índice subiu para 85%, e em 2025, até o início de outubro, quase 90% das amostras indicaram boa qualidade da água.
É justamente esse tipo de transformação que pescadores, moradores e comerciantes da Praia das Pedrinhas esperam ver se repetir em São Gonçalo, no embalo das obras de revitalização.

A costureira Valdenice dos Santos de Oliveira, de 51 anos, vive há cinco meses na região e já sente o impacto das intervenções.
“Muita movimentação, principalmente nos fins de semana. Se a água melhorasse, com certeza seria melhor pra todos”, diz.
Frequentadora da orla, ela elogia o ambiente familiar e aposta na conscientização:
“Hoje em dia ninguém joga lixo como antes. Até os pescadores estão ajudando, recolhem o que encontram no mar. É uma forma de conservar, né? Pra deixar algo melhor pros filhos, netos.”
Obras
Avaliadas em R$ 5 milhões, as intervenções gerenciadas pela Secretaria de Gestão Integrada e Projetos Especiais (Semgipe) da Prefeitura de São Gonçalo, avançam com força total e prometem transformar um dos cartões-postais da cidade, muito frequentado para observação do pôr do sol.

Porém, enquanto o calçadão ganha novos bancos, acessibilidade e áreas de convivência, o mar ainda sofre com a poluição, e esse contraste preocupa todo mundo.
Para o pescador Marcelo de Freitas, além da falta de medidas eficazes por parte de órgãos ambientais, há escassez de conscientização das pessoas.
"Tem que fazer muita coisa pra melhorar. Não é só o esgoto, é muita sujeira, muito plástico. Quem pesca sabe: às vezes a gente joga a âncora e, quando puxa, vem dois ou três sacos de lixo junto”, lamenta.

No momento, estão sendo feitas as obras de infraestrutura do local, incluindo a finalização do muro de contenção da estrutura do novo calçadão e a base da arquibancada.
Segundo a Prefeitura, o novo calçadão irá abrigar mesas com guarda-sol, pergolados, brinquedos com temática náutica, bem como outros usos associados à atividade turística da orla.
Também haverá áreas intercaladas de paisagismo com árvores de várias espécies e que garantem a acessibilidade para pessoas com deficiência (PcDs).
A comerciante Roberta Cabral, de 40 anos, reforça a importância do saneamento: “Antigamente, dava pra ver que a água era clara, mas o esgoto acabou com tudo. Se resolverem isso, vai ficar bom de novo. Talvez o banho não atraia todo mundo, depende do público.”

Ela trabalha em um restaurante especializado em peixes e diz que ainda vê esperança de melhorias no local, apesar dos desafios:
“A obra, pra gente, acredito que vai melhorar bastante quando estiver pronta. Mas, no momento, está difícil", opina.
Pescadores locais lembram que, por ser uma área de baía e manguezal, a água nunca será cristalina, mas pode ficar limpa e livre de poluição.
Aqui é baía, então vai ser sempre uma água mais turva, isso é natural. Mas dá pra ser uma água limpa, sem poluição. É só parar de jogar sujeira. O problema é a falta de conscientização

Morador desde a infância, o pescador Valter Figueiredo, de 43 anos, conhecido como Cafifa, acredita na recuperação do local.
“Desde moleque eu pesco aqui. Acho que é possível melhorar, sim. Estão falando que vão jogar caminhão de areia, e isso já ajuda. Seria bom, principalmente pras crianças.”

A primeira parte da obra, do lado esquerdo, já recebeu asfalto, redes de drenagem, padronização das calçadas, esgotamento sanitário e abastecimento de água, numa intervenção simultânea da Prefeitura com a concessionária Águas do Rio.
O comerciante Rafael Sampaio Soares, de 20 anos, vê a revitalização como um sopro de esperança.
“Antes aqui nem era asfaltado. Agora tem asfalto, esgoto e água. Durante as obras desse lado da loja foi complicado, mas depois melhorou bastante. Seria muito bom pra todo mundo se limpassem a água também. Seria uma obra muito grande, mas dá pra sonhar, né? Eu lembro, quando era criança, que ainda dava pra ver gente nadando. O pessoal mais antigo conta que aqui era cheio de caranguejo. A expectativa é baixa, mas seria muito bom. A cidade não tem muita opção de lazer. Uma praiazinha boa já seria ótimo”.
Ações ambientais e investimentos

O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informou que, com a concessão dos serviços de água e esgoto à iniciativa privada, as concessionárias vêm ampliando ações de saneamento:
“Cerca de R$ 6 bilhões deverão ser investidos para despoluir as bacias da Baía da Guanabara, do Rio Guandu e do Complexo Lagunar de Jacarepaguá”, diz o órgão.
O instituto acrescenta que instalou 17 ecobarreiras em rios estratégicos que deságuam na Baía de Guanabara, com investimento anual de R$ 15,7 milhões, capazes de reter 1.200 toneladas de lixo por mês antes que cheguem à baía.
Já a Águas do Rio informou que está na fase final da implantação de 1,5 km de rede de esgoto na Praia das Pedrinhas.
“Além disso, a companhia já entregou 3,5 km de rede coletora, um investimento que beneficia 30 mil moradores de nove bairros da cidade, incluindo o Mutondo”, afirma.
A empresa também diz que investe R$ 120 milhões na construção de cinco Coletores em Tempo Seco (CTS), que vão evitar o despejo diário de 12 milhões de litros de esgoto nos rios, direcionando o material contaminado para tratamento na ETE São Gonçalo.
“A obra tem previsão de término em 2026 e vai contribuir para a recuperação da Baía de Guanabara, melhorando a balneabilidade da Praia das Pedrinhas e beneficiando cerca de 130 mil moradores”, diz a concessionária.
Segundo a companhia, as ações já impedem que 119 milhões de litros de água contaminada cheguem diariamente à Baía de Guanabara, contribuindo para a recuperação gradual do ecossistema.
Já a Prefeitura de São Gonçalo reforçou que a despoluição da baía é competência do Governo do Estado, mas atua de forma paralela:
“O município atua reforçando as ações de coleta e descarte correto do lixo e realiza limpeza recorrente de canais, rios e valões em parceria com o Inea. A concessionária Águas do Rio está instalando o sistema de Coletor de Tempo Seco, que deverá ter impacto positivo na despoluição da baía. A concessionária também está com obras de instalação de rede de esgoto na região da Praia das Pedrinhas”, informou.

Ezequiel Manhães
Redator

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