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    Saudades

    Juliana Marins: um Dia dos Pais tatuado pelas memórias

    Pai da publicitária abriu o coração em entrevista ao ENFOCO

    Publicado 10/08/2025 às 15:39 | Atualizado em 10/08/2025 às 16:16 | Autor: Ezequiel Manhães
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    Manoel Marins ao lado de Juliana Marins durante viagem ao Jalapão (TO)
    Manoel Marins ao lado de Juliana Marins durante viagem ao Jalapão (TO) |  Foto: Reprodução / Instagram

    “Não descarto”. É assim que o cirurgião-dentista aposentado Manoel Marins, de 64 anos, responde quando perguntado se pretende lançar um livro sobre as experiências da vida, que mesclam entre boas memórias, filosofias e perdas. 

    Quarenta dias após perder a filha caçula, a publicitária Juliana Marins, de 26, ao cair de uma trilha no Monte Rinjani, na Indonésia, em junho deste ano, ele vive o primeiro domingo (10) de Dia dos Pais entre a dor e a saudade de não ter a presença física de uma das herdeiras.

    Na semana que antecedeu a data comemorativa, fez três tatuagens de uma só vez, uma para cada mulher de sua vida — a esposa Estela Marins, a filha Mariana Marins e a filha que faleceu durante o mochilão que fazia pela Ásia, desde o início do ano.

    • Tatuagem feita em homenagem a Juliana Marins
      Tatuagem feita em homenagem a Juliana Marins | Foto: Péricles Cutrim
    • Tatuagem feita em homenagem a Mariana Marins
      Tatuagem feita em homenagem a Mariana Marins | Foto: Péricles Cutrim

    Ao mesmo tempo, Manoel diz que "quer justiça" e descarta categoricamente entrar na política, ainda que seja para lutar por temas relacionados a medidas mais velozes de resgate e segurança em parques públicos.

    "Nenhum pai está preparado para perder um filho. [O Dia dos Pais] não vai ser a mesma coisa. Eu sinto falta pra caramba da Juliana. Isso eu não tenho a menor dúvida. Juliana preenchia o espaço [...] Não vou dizer que minha vida parou, mas ainda não voltou à rotina. 100% não voltou. Juliana, quando acordava de manhã e eu estava na sala, ela descia e vinha com: 'Oi, papi!', me dava um beijo. Aquilo já me quebrava. Meu dia já estava melhor. Chegava para a mãe dela: 'Oi, mami!', pronto, nos quebrava", conta ao ENFOCO.

    Como o acidente da Juliana Marins ocorreu fora do país, a polícia brasileira não pode investigar o caso. A atuação do Brasil se restringe a pressões diplomáticas por meio do Ministério das Relações Exteriores. A família, acompanhada por um advogado que optou pelo sigilo, mantém contato com autoridades nacionais e internacionais.

    Aspas da citação
    Tem uma investigação policial em curso. Uma das fases desse segundo inquérito seria ouvir os pais. A própria Embaixada Brasileira na Indonésia me disse: 'Não sabemos se vão realmente querer ouvir vocês', mas consta no processo que essa é uma das fases. A gente quer justiça
    Manoel Marins, pai
    Aspas da citação

    Ainda em luto, Manoel acredita que mudanças implementadas no Parque Nacional do Monte Rinjani após a morte da filha mostram que sua partida pode não ter sido em vão.

    "Recebi um comunicado de uma pessoa — que até publiquei — dizendo que agora há até um helicóptero em Bali à disposição. E esta semana recebi outro comentário, dizendo que instalaram uma base de socorro a 2 mil metros de altitude. Se essa base de socorro já existisse, Juliana teria sido salva", lamenta.

    Para a família, o impacto da perda ainda é um longo processo a ser superado:

    "É um processo longo. Bem mais longo do que eu imaginava", diz Manoel. "Tem dias em que estou meio depressivo. Depressivo mesmo. Não é só tristeza. Tem dias que estou melhor, tem dias que estou pior. E quando digo ‘eu’, digo ‘eu e Estela’. Nós dois juntos."

    Manoel Marins mora com a esposa Estela no bairro Camboinhas, em Niterói
    Manoel Marins mora com a esposa Estela no bairro Camboinhas, em Niterói |  Foto: Péricles Cutrim

    Recentemente, ele teve contato com objetos pessoais da filha que ainda não conhecia.

    "Estela estava mexendo em umas coisas da Juliana. Um diáriozinho que ela achou no armário, de quando Juliana era criança. [...] Eu não conhecia aquele diário. Acho que nem a Estela conhecia."

    Emocionado, ele pediu um tempo à esposa: "Teve uma hora em que falei: 'Estela, posso não ver isso?' Ela disse: 'Pode.' Então eu desci, fui pra sala, fui fazer outra coisa. Porque tem horas que eu não consigo."

    Filhas na pele, a dor no peito

    Juliana Marins ao lado da irmã Mariana Marins
    Juliana Marins ao lado da irmã Mariana Marins |  Foto: Reprodução / Instagram

    Manoel é esportista e já correu maratonas, cruzou cidades de bicicleta e nas horas vagas pratica natação. Ele descreve as suas duas filhas:

    "Cada uma das duas tem suas valências, né? Mariana é uma pessoa mais forte, mais rígida. [...] E Juliana era mais meiga. São características diferentes [...] Com a tragédia da Juliana, a Mariana tomou para si a responsabilidade de tentar salvá-la. [...] Depois que ela parou para refletir, conversamos muito com ela sobre não ter culpa de nada."

    As tatuagens que fez recentemente, segundo o pai de família, trazem frases e símbolos. "Voa, Juliana" com um beija-flor; “Mariana meu sol”; e no peito, o apelido da esposa Estela, de 63 anos, que é professora de Biologia aposentada, e com quem ele é casado há quase 40 anos.

    "O beija-flor, para mim, é um dos pássaros mais lindos e mais significativos. [...] Ele é inquieto. Está sempre batendo as asas. [...] Eu atribuo ao beija-flor uma liberdade."

    A força da fé e da rede de apoio

    Manoel Marins falou sobre fé e rede de apoio familiar
    Manoel Marins falou sobre fé e rede de apoio familiar |  Foto: Péricles Cutrim

    Apesar de ter deixado o ministério pastoral há três anos, Manoel mantém sua fé.

    "Deixei de ser [pastor] porque não me via mais dentro daquela estrutura. [...] A estrutura da igreja que eu fazia parte é muito conservadora. [...] Mas a fé, e não a religião, me ajuda muito."

    Ele hoje frequenta a Igreja Batista do Caminho, liderada pelo pastor Henrique Vieira.

    "A minha fé me ampara muito. [...] As pessoas dessa igreja atual têm me ajudado bastante. [...] Mas o apoio maior mesmo é da nossa família."

    E deixa um recado para quem vive lutos parecidos:

    "Se você tem alguma fé, não importa em quem. [...] Apegue-se à sua fé. [...] E, se mesmo com essa rede você não estiver conseguindo reagir, procure ajuda profissional."

    Juliana: vida, causas e legado

    Juliana Marins era engajada em causas sociais
    Juliana Marins era engajada em causas sociais |  Foto: Reprodução / Instagram

    Juliana era publicitária e atuava na Mind, empresa de Preta Gil, onde produzia eventos de artistas como Yuri Marçal e Babu Santana. Foi desligada em dezembro de 2024, quando decidiu viajar.

    "Em janeiro, já falou: 'Olha, eu não vou procurar outro emprego agora, não. Acho que vou fazer um mochilão.' Em fevereiro, chegou pra gente e disse: 'Eu vou fazer um mochilão pelo Sudeste Asiático. E foi", relembra Manoel.

    Juliana era engajada em causas sociais, feministas e raciais. Foi voluntária no Egito, pela AIESEC, e no projeto TETO, construindo casas para famílias em situação de vulnerabilidade.

    "Você imagina uma menina de 18, 19 anos gastando seu final de semana para construir casas populares [...]. São poucas pessoas que fazem isso. E ela fazia", diz o pai da jovem, com orgulho.

    A filha que compartilhou o mundo

    No grupo “Mochilão Juju”, criado por ela, Juliana atualizava a família com fotos e localização durante a viagem. Os pais Manoel e Estela moram em Camboinhas, na Região Oceânica de Niterói. Enquanto Mariana reside em São Paulo.

    "Ela [Juliana] sempre mandava fotos dos lugares em que estava. [...] E não porque exigíssemos. Era iniciativa dela. Nós só pedimos: 'Ju, não fique 24h sem dar notícias'.", conta Manoel Marins.

    O novo papel nas redes sociais

    Manoel Marins compartilha experiências de vida nas redes sociais, sendo acompanhado por mais de 200 mil seguidores
    Manoel Marins compartilha experiências de vida nas redes sociais, sendo acompanhado por mais de 200 mil seguidores |  Foto: Péricles Cutrim

    Com a tragédia, Manoel viu seu perfil crescer para mais de 200 mil seguidores e usou a visibilidade para compartilhar aprendizados.

    "Então, as minhas primeiras postagens foram exatamente sobre o que aprendi com essa curta vida da Juliana. [...] Depois comecei a dar outro foco, não falar só da Juliana. Falar de vivências minhas, de coisas em que acredito, conselhos que acho que posso dar."

    Um livro? Talvez. Política? Nunca.

    Por conta do conteúdo na internet, conta que amigos e desconhecidos já o questionaram sobre ele escrever um livro:

    “Algumas pessoas me falam: 'Por que você não publica um livro?' [...] Sinceramente, ainda não sei se quero ou não publicar um livro. [...] Não descarto, mas também não sei se é um projeto de vida.”

    Já sobre política:

    "Totalmente descartado. Não quero. Se alguém estiver imaginando que eu possa ter alguma carreira política... não quero. Não quero e não vou. Tem gente que diz que não quer, mas se insistirem com carinho... Eu não. Pelo contrário. Eu não quero e não vou".

    A ausência que está presente

    Desde a juventude, Manoel é amante da prática esportiva
    Desde a juventude, Manoel é amante da prática esportiva |  Foto: Reprodução / Instagram

    Manoel mantém no celular as últimas mensagens e sente Juliana em gestos, músicas, imagens e lembranças.

    "Publiquei uma vez uma frase que surgiu quando estava abrindo a mochila da Juliana: 'Eu senti fortemente a presença de uma ausência.' Essa frase me tocou muito. Mas, sinceramente, sinto a presença da Juliana, não só dentro de mim, sei que no coração ela vai estar sempre. Um artista maravilhoso fez um quadro dela e nos entregou. Penduramos esse quadro na sala de casa, e toda vez que entro, dou de cara com ele e falo: 'Caramba, a Juliana está aqui. Outra coisa interessante é que várias pessoas têm me mandado músicas que fizeram para a Juliana. Algumas até estão no Spotify. Eu até dou uma força", diz.

    Ele relembra a última conversa que teve com a filha caçula.

    "A última coisa que eu falei pra ela antes dela sair, a mesma coisa que eu falava sempre quando ela queria sair à noite, pra namorar ou encontrar alguma amiga: 'Ju, juízo nesse cabeção.' E ela respondia: 'Pai, sempre.'"

    Manoel Marins conclui: 

    “Eu nunca quis fama. Sempre fugi disso. Mas o que está acontecendo não é sobre mim. É sobre a Juliana."

    Ezequiel Manhães

    Ezequiel Manhães

    Redator

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