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    Comunidade pesqueira de Maricá vira patrimônio histórico e cultural

    Publicado 17/02/2020 às 15:36 | Autor: Eduarda Hillebrandt
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    Pelo projeto, sede da comunidade não poderá sofrer alterações. Foto: Ibici Silva

    A comunidade tradicional de pescadores artesanais de Zacarias, situada na área de restinga que abrigará um complexo hoteleiro às margens da Lagoa de Maricá, obteve uma vitória na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). A sede da associação de moradores do vilarejo, que abriga cerca de 150 famílias, se tornará patrimônio histórico e cultural do Rio de Janeiro. A medida foi aprovada pelos deputados estaduais na última terça-feira (11).

    O projeto, de autoria do deputado estadual Flávio Serafini (Psol), proíbe a demolição da sede da Associação Comunitária de Cultura e Lazer dos Pescadores Zacarias (Acclapez), construída na década de 40, e protege seu acervo histórico. Os pescadores se instalaram em Zacarias há mais de 200 anos, preservando a restinga e as técnicas da pesca de galho.

    A comunidade pesqueira ocupa a parte leste do terreno da Fazenda São Bento da Lagoa — um antigo latifúndio com 8,4 km² — e terras da União. A permanência dos pescadores em Zacarias tramita na Justiça há mais de dez anos, quando o grupo imobiliário espanhol IDB adquiriu a fazenda para construir um resort com quatro hotéis, centro de convenções e campos de golf.

    O empreendimento obteve a licença prévia do Instituto Estadual Ambiente (Inea) em 2015, mas foi embargado pela Justiça por duas vezes. O projeto executivo da empresa prevê a demolição da sede da associação como contrapartida para a concessão de títulos de propriedade individual aos pescadores. Quanto à preservação da restinga, a IDB propõe a criação de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN).

    Psol cedeu

    Para aprovar a medida, que tramitou na Casa desde 2015, Serafini negociou com a deputada estadual Zeidan Lula (PT) uma alteração no projeto proposta. Se antes o projeto protegia toda a área externa da sede, que abriga um campo de futebol e área de convivência, Zeidan pediu que o tombamento fosse restrito ao imóvel.

    "O tombamento tem um problema, que consegui com retirar com o autor, que é a preservação do exterior. Isso poderia prejudicar o investimento que está sendo feito lá", afirmou a parlamentar, em referência ao resort. Zeidan destacou, ainda, que a empresa prevê edificação de apenas 6,6% do terreno e que o complexo hoteleiro pode gerar 30 mil empregos diretos e indiretos.

    O empreendimento da IDB foi relançado em setembro, prometendo investimento de R$ 11 milhões em Maricá. O complexo turístico, que abrigará o primeiro hotel da marca Rock in Rio no mundo, foi abraçado pelo governador Wilson Witzel (PSC) e pelo prefeito de Maricá, Fabiano Horta (PT), alinhado a Zeidan.

    "A essência do projeto foi mantida, que é preservar uma associação que é símbolo da comunidade pesqueira que existe desde o século 18 e luta para conseguir permanecer em seu local de origem. O desenvolvimento econômico é importante mas isso tem que ser compatível com o meio ambiente, com as comunidades tradicionais e com nossos patrimônios históricos e culturais", pontuou Serafini.

    O deputado observa que as leis de tombamento devem proteger a área externa também, ainda que não conste no projeto. A proposta foi aprovada em 2ª discussão, e ainda retornará ao plenário após redação final casando os interesses do Psol e do PT na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

    A associação dos pescadores defende que não apenas o campo da sede, mas toda a comunidade seja reconhecida pelo estado. "Foi uma vitória nesse conflito entre o hotel e os pescadores. A sede da associação é onde eles querem fazer o empreendimento. Pedimos reconhecimento de toda a comunidade, porque o progresso tem que chegar com responsabilidade" afirmou o presidente Vilson Marins.

    Pescador artesanal, César Costa, de 64 anos, ressaltou a riqueza natural do local.

    "Este lugar é fantástico, vivo aqui desde que nasci, tem uma riqueza natural enorme, somos cercados pela restinga e lagoa. Eu pesco desde pequeno, posso dizer que nasci dentro d'água, ajudava meu pai na pesca para poder sustentar meus irmãos. Esse local precisa ser preservado", contou o pescador.

    Resort pode ser embargado

    A fazenda faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA) de Maricá, criada em 1984. A unidade de conservação abrange 9,7 km², determinando a proteção das lagoas, da restinga e da Ilha do Cardoso. No entanto, ao definir o zoneamento da área em 2007, o governo estadual acabou autorizando construções na área da restinga, onde fica Zacarias.

    A geógrafa Desireé Gichard, pesquisadora dos conflitos ambientais de Maricá pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), acredita que o zoneamento da APA abriu caminho para o licenciamento do complexo hoteleiro.

    "Essa é a raiz do problema. O zoneamento foi muito permissivo, elaborado sem consultar os moradores locais, a comunidade acadêmica e principalmente os membros de Zacarias", aponta a pesquisadora.

    Em 2009, a Associação de Preservação Ambiental das Lagunas de Maricá (Apalma) entrou na Justiça com uma ação civil pública questionando o zoneamento da APA de Maricá. De lá pra cá, a Apalm garantiu liminar suspendendo o licenciamento ambiental, mas ela foi derrubada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

    No entanto, a principal vitória do grupo foi em 2019. A 2ª Vara Cível de Maricá finalmente julgou a ação civil pública em 30 de outubro. A sentença obriga a Prefeitura de Maricá e o Inea a impedir qualquer construção na APA. No entanto, enquanto o STJ não julgar um recurso da Apalm contra a cassação da liminar, a sentença está temporariamente suspensa.

    Guichard acredita que uma alternativa para a regularização fundiária seria a concessão do terreno para gestão coletiva, como determina a sentença da 2ª Vara Cível de Maricá. "Uma das estratégias de atingir uma comunidade tradicional é a regularização em que cada família ficar com o seu lote, que depois é adquirido pelas empresas", avalia a pesquisadora.

    Colaboração: Déborah Manhanini

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