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    Sobrevivência

    'Carne não existe para o pobre', diz mulher ao recolher xepa em SG

    Cerca de 33,1 milhões de brasileiros passam fome em 2022

    Publicado 13/06/2022 às 7:00 | Autor: Ana Fernanda Freire
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    Famílias aguardam diariamente por sobra de alimentos
    Famílias aguardam diariamente por sobra de alimentos |  Foto: Karina Cruz

    Em pouco mais de um ano, ao menos 14 milhões de novos brasileiros entraram no mapa da fome. O número já soma 33,1 milhões de pessoas que estão sem ter o que comer em suas casas. Por conta disso, a luta pela xepa, alimentos que são descartados, só aumenta em diversos pontos da cidade. 

    Na Central de Abastecimento (Ceasa) em São Gonçalo, por exemplo, pessoas tentam recolher o que ainda pode servir para colocar no prato e ter alguma refeição com dignidade. 

    Caso da catadora de materiais recicláveis, Carol Costa, 26 anos. Moradora do Jardim República, em São Gonçalo, ela conta que precisou buscar alternativas para suprir as necessidades dela e da família, composta de uma filha de 12 anos e marido desempregado. 

    Leia+: Fome atinge mais de 33 milhões de pessoas no Brasil, diz estudo

    “É muito triste, sua filha ou filho pedir algo e você não ter pra dar. As coisas estão muito difíceis, minha sogra veio pra cá e me convidou. Aqui a gente consegue pegar do sal ao arroz, mas carne não existe mais na panela do pobre, não nos pertence, tem que comer ovo, salsicha e olhe lá”, lamentou.

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    É muito triste, sua filha ou filho pedir algo e você não ter pra dar. As coisas estão muito difíceis. Carne não existe mais na panela do pobre, não nos pertence
    Carol Costa catadora
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    A jovem contou que recebe Auxílio Brasil, no valor de R$400,  mas que o valor não é suficiente para suprir as necessidades.

    Virgínia Mendonça, 49 anos, também frequenta o local há cerca de um ano e seis meses e conta que no início começou a ir apenas aos sábados, mas que com a dificuldade agora vai ao local todos os dias. Ela conta que também trabalha como faxineira, mas que com a falta de emprego, costuma chegar à Ceasa por volta das 4h e sair às 16h. 

    • Os alimentos são descartados em lixeiras
      Os alimentos são descartados em lixeiras | Foto: Karina Cruz
    • Alimentos impróprios são descartados
      Alimentos impróprios são descartados | Foto: Karina Cruz
    • Alimentos jogados no chão
      Alimentos jogados no chão | Foto: Karina Cruz
      

    O motorista de caminhão Anisio Luiz, 60 anos, trabalha com entregas no local há mais de 20 anos e contou que notou a diferença e crescimento de pessoas buscando por sobras de alimentos.

    “Antigamente as pessoas vinham aqui ‘relentos’, sujos, descalços. Hoje em dia quando sai daqui você nem diz, todo mundo com roupa direitinha. Isso é a luta pela sobrevivência”, contou.

    Luiz disse ainda que quando chega caminhões com alimentos costuma ser uma correria. Ele explica que a maioria dos alimentos são vencidos e impróprios para consumo.

    “Quando despejam os alimentos eles pegam tudo, entre leite, refrigerante, carne seca, iogurte, legumes até cerveja, tudo que tem no comércio”, disse.

    Quem também estava no Ceasa era a faxineira Tânia Antônia de Souza, de 55 anos, ela já frequenta o local há mais de 20 anos.

    “Eu não tenho renda, já trabalhei como faxineira, mas não tem trabalho, então a gente vem pra cá para catar as coisas. Eu moro com 7 netos e uma filha e sustento a casa. Tá muito difícil”, contou.

    Nática Gomes, que trabalha como vendedora ambulante, relata que a renda não supre as necessidades da família.

    “Sempre trabalhei como camelô, mas venho aqui já tem 20 anos, chego 5h, às vezes a gente não leva nada, mas tem dia que levamos. O ruim é que tem gente que trata a gente igual lixo, jogar os alimentos todos no chão como se fossêmos porcos”, disse.

    Até por volta de 12h, Nática só conseguiu pegar um pimentão e nenhum caminhão com grande quantidade de alimentos chegou ao local. Mas as famílias informaram que só vão embora na por volta das 16h.

    Escassez

    Sobre o Auxílio Brasil, destinado a famílias de pobreza e extrema pobreza, um funcionário do local Marcos Antônio conta não ser suficiente.

    “Os R$400 que o governo está dando é um cala boca, porque esse valor está sendo revertido em imposto e no aumento da alimentação e no final acabamos não ganhando nada. Eles estão dando peixe ao invés de ensinar a pescar”, desabafou.

    Responsável pela unidade da Ceasa de São Gonçalo há dois anos, Walter Saraiva, 33 anos, conta que muitas pessoas esperaram pelas sobras em várias outras unidades.

    “Isso é uma prática antiga do Ceasa, além da alimentação, muita gente aqui tem criação de porco, então acaba pegando para os animais também. A gente, inclusive, uma vez por mês costuma doar cestas básicas. Por que onde eles ficam é o local de descarte, alimentos que não estão próprios para consumo”, informou.

    Alta nos preços 

    De acordo com dados do IBGE, a inflação de abril de 2021 a abril de 2022 é de 12,13%. A cesta com os 35 produtos mais consumidos em supermercados registrou, no acumulado de janeiro a abril, alta de 8,31% em relação ao mesmo período de 2021. No acumulado de 12 meses, os preços tiveram alta de 17,87%.

    Os produtos com as maiores altas no primeiro quadrimestre de 2022 foram o leite longa vida (22,35%), o óleo de soja (20,38%), o feijão (19,71%) e a farinha de trigo (15,45%). 

    O instituto também divulgou nesta sexta (10) que a queda na renda dos brasileiros afetou de uma maneira mais intensa a população com menores vencimentos. De 2020 a 2021, todas as classes tiveram queda no rendimento mensal por pessoa. Entre os 5% que recebem em média R$ 39, os de menor renda, a queda foi de 33,9%. Em 2020, o valor era de R$ 59. 

    O Rendimento de Todas as Fontes 2021 mostrou que o rendimento mensal real da população teve queda recorde e atingiu o menor patamar da série histórica, iniciada em 2012. Os dados apontam que a redução de beneficiários do Auxílio Emergencial durante a pandemia fez a renda cair. 

    Ainda de acordo com o levantamento, o rendimento mensal médio real de todas as fontes no país passou de R$ 2.386, em 2020, para R$ 2.265, em 2021 – valor mais baixo desde 2012. 

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