Alerta
Três em cada dez famílias já passam fome no Brasil
Estudo revela dado alarmante sobre a situação da fome no país
Mais da metade da população brasileira, 125,2 milhões, enfrenta a insegurança alimentar no país. O dado alarmante consta no estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan), divulgado nesta quarta-feira (14).
Três em cada dez famílias brasileiras passam fome por falta de alimentos
Pesquisa
O estudo foi realizado nos anos de 2021 e 2022 em 12.745 mil casas, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, distribuídos nos 26 estados e no Distrito Federal.
A segurança e a insegurança alimentar foram medidas pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), que também é utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
33,1 milhões de brasileiros não têm o que comer
A pesquisa revelou números graves sobre a insegurança alimentar no país ao relatar que 33,1 milhões de brasileiros não têm o que comer, e apenas 4 entre 10 famílias conseguem acesso pleno a alimentos — ou seja, estão em condição de segurança alimentar.
Ao todo são 125,2 milhões de brasileiros em insegurança alimentar, seja leve, moderada ou grave.
Em todos os estados as famílias mais vulneráveis à insegurança alimentar grave e moderada são aquelas com renda inferior a meio salário mínimo, com pessoas estão desempregadas ou em condições de trabalho precárias, além de apresentarem baixa escolaridade.
Os dados constam que a Região Sudeste – a mais populosa do país – tem mais pessoas famintas: são 6,8 milhões no estado de São Paulo e 2,7 milhões no Rio de Janeiro.
No estado do Rio menos da metade tem acesso à comida suficiente e de qualidade em todas as refeições. Confira o quadro:
- Segurança alimentar: 42,8% dos lares, ou 7,5 milhões de fluminenses;
- Insegurança alimentar leve: 23,5% dos lares, ou 4 milhões de fluminenses;
- Insegurança alimentar moderada: 17,7% dos lares, ou 3 milhões de fluminenses;
- Insegurança alimentar grave: 15,9% dos lares, ou 2,7 milhões de fluminenses.
Insegurança Alimentar
A insegurança alimentar diz respeito à falta de acesso físico, econômico e social do indivíduo a alimentos saudáveis e de qualidade para fazer todas as refeições necessárias.
O conceito de insegurança alimentar foi dividido pelo estudo em três níveis:
Leve: quando se tem preocupação ou incerteza se vai conseguir se alimentar no futuro;
Moderada: quando se tem uma redução concreta da quantidade de alimentos e o padrão saudável de alimentação é rompido por falta de comida;
Grave: quando a família tem fome mas não come por falta de dinheiro para comprar as refeições.
Perfil
Além de observar as desigualdades geográficas, regionais e de localização dos domicílios em áreas rurais ou urbanas, o estudo analisou a relação da composição familiar.
Segundo a Penssan, em domicílios com crianças de 10 anos ou menos, a proporção de insegurança alimentar moderada ou grave está acima de 40% em todos os estados da região Norte, chegando a 60,1% no Amapá. No Nordeste, 7 dos 9 estados estão nesta mesma condição.
Consequências
O ENFOCO conversou com a nutricionista Mariana Figueiredo, professora da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal Fluminense (UFF). Para ela, o resultado da pesquisa é assustador, e alerta para as consequências da privação de alimentos, que vão além da saúde.
É assustador o resultado da pesquisa, principalmente falando do Brasil com milhões de brasileiros passando fome"
Segundo a especialista, o impacto vai além do bem-estar do ser humano. "Essa questão da insegurança alimentar ela tem um impacto muito grande em termos de saúde mas também em termos de educação, aprendizado, e a questão social ela também é muito importante"
Mariana explica que os prejuízos da insegurança alimentar e a fome no Brasil só vão ser percebidos em sua dimensão no futuro.
"A gente vai ver essa situação a longo prazo e o quanto isso vai impactar também no Sistema Único de Saúde (SUS), o atendimento a esses indivíduos em consequência a essa privação de alimentos", comenta.
Outro ponto abordado pela nutricionista é a consequência da falta de nutrientes necessários em fases críticas, como na infância e adolescência.
"Uma criança desnutrida tem o maior risco, por exemplo, de ser um indivíduo adulto obeso, ou com alguma comorbidade associada, como a diabetes, alguma doença cardiovascular, entre outras", explica.
Ela reafirma que quando se trata de fome não se lida somente com a saúde: "E não somente o impacto em termos de saúde, mas também o impacto social e educacional. Uma criança que sofreu alguma privação terá problemas de desenvolvimento, e consequentemente vai impactar no aprendizado", finaliza Mariana.
Quando um número vira realidade
Moradora de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, Drussila Gomes, de 29 anos, tem quatro filhos pequenos e não consegue trabalhar por sofrer de epilepsia. Diariamente ela vai em busca do que pode levar para casa, além de depender da oferta de alimentos de mercados locais.
Atualmente a jovem conta com o auxílio de um programa local chamado Cozinha Comunitária, que lhe garante a refeição aos domingos, e uma cesta básica por mês. Com apoio do governo federal, o Auxílio Brasil concede R$ 600,00 para a mãe pagar o aluguel da casa.
“Eu venho aqui [no Cozinha Comunitária] atrás de roupa e doação de alimento. Porque eu fico na porta do mercado pedindo alimentação, mas tem hora que não tem. O pai não me ajuda em nada", lamenta Drussila.
Como se bastasse os desafios, dois filhos de Drussila sofrem de diabetes. A mãe conta que sem as condições para garantir uma dieta equilibrada, o jeito é correr para o hospital com pequenos sempre que o nível de glicose está alto.
Ela ainda explica que por vezes precisou deixar de comer para alimentar os filhos. Com o pouco alimento que costuma receber, é preciso administrar e dividir entre os quatro.
Eu deixava de comer para dar a eles. Eu pegava as quentinhas e separava. Era duas pro almoço e duas para a janta
Luz no fim do túnel
A Cozinha Comunitária de Santa Luzia, que ajuda Drussila e sua família, foi criada há 5 anos pela coordenadora Celi Gomes. Todos os domingos e feriados, o projeto social fornece cerca de 350 quentinhas para moradores da comunidade e de bairros vizinhos. Os recursos são adquiridos pelos próprios colaboradores voluntários, sem qualquer incentivo do poder público.
Aline Santos, de 29 anos, é uma das voluntárias no projeto. Mãe de três filhos, ela revela já ter sido ajudada pela rede quando se mudou para Santa Luzia há três anos, e, hoje, vê a oportunidade de ajudar outras famílias.
"Eu falo que o Cozinha Comunitária foi uma esperança que Deus sempre bota na nossa porta, uma luz no fim do túnel. O jeito que a gente chega aqui e é tratado, todo mundo se mobiliza e vai ajudando. Eles abraçam a gente como se fosse uma família", conta.
A voluntária ainda fala emocionada sobre a situação que vê das famílias que buscam ajuda.
Você vê muitas crianças na fila com os pais, e eu tenho três filhos, então já me parte logo o coração"
Para ajudar o Cozinha Comunitária, envie um e-mail para cozinhacomunitaria05@gmail.com.
Mapa da Fome
O Brasil voltou ao Mapa da Fome da Organização Mundial de Saúde (OMS) em julho deste ano. Um levantamento feito pela FAO, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, voltou a divulgar o Mapa da Fome, coisa que não fazia desde 2015.
Neste mesmo ano o Brasil tinha conseguido sair dessa classificação, que representa uma situação grave. Mas de acordo com os números divulgados recentemente, desde 2018 o país está de volta ao mapa.
O levantamento considera o país dentro do Mapa da Fome quando mais de 2,5% da população enfrentam falta crônica de alimentos. E a fome crônica no Brasil atinge agora 4,1%.
Procurados para comentar os dados divulgados e soluções para diminuir o quadro de insegurança alimentar, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, respondeu ao ENFOCO que tem trabalhado no combate à fome em todo o estado. Destacando programas que fornecem alimentação gratuita, ou a preços simbólicos, como os Restaurantes do Povo, além de programa de distribuição de quentinhas, café da manhã a R$ 0,50.
O Estado acrescenta que oferece hospedagem e alimentação para a população em situação de rua. Segundo o governo, até 2023 estarão em funcionamento cerca de 26 restaurantes para atender a população fluminense em diferentes municípios do Estado. E 59 pontos de fornecimento de café da manhã.
O Governo Federal, no entanto, ainda não prestou qualquer posicionamento.
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