Brasil & Mundo
Por que estamos sempre cercados de falsos amigos?
Na semana passada, precisei tomar a difícil decisão de romper uma amizade. Mais uma, dentre muitas que desfiz nos últimos anos. Em minha coluna anterior, descrevi as consequências com as quais é necessário lidarmos, quando optamos por uma vida com menos hipocrisia e bajulação, mais conteúdo e verdade. Meu ex amigo fez uma escolha, e eu precisei fazer outra.
Santo Tomás de Aquino dizia que amigos são os que amam e rejeitam as mesmas coisas que nós - idem velle et idem nolle. Pode parecer óbvio, quando lemos essa afirmação, e absolutamente lógico, que nos relacionemos apenas com pessoas que possuem valores similares aos nossos. Mas não é simples, tampouco fácil.
Tenho, desde 2019, com já disse em meus artigos mais de uma vez, optado por um caminho mais pedregoso e sinuoso: o das relações baseadas em afinidade, relações mais verdadeiras e profundas, que estejam na mesma linha do que acredito e vivencio. Evidentemente, após tomar essa decisão, precisei me afastar de muita gente que não me fazia bem.
Despertar
Mas como eu despertei para isso, percebendo que o meu entorno não era composto de pessoas que eram como eu? E como, constatando isso, pude me afastar de tanta gente, sem a sensação de que acabei ficando só, e que perdia tempo com falsas amizades, absolutamente desconectadas de mim? Provavelmente, porque eu não havia aprimorado meus valores, aperfeiçoado a minha personalidade, reconhecido o meu caráter. Apenas depois desse movimento, podemos separar o joio do trigo.
Há momentos solitários, na busca do autoconhecimento. Há decisões muito difíceis de se tomar, nessa caminhada. Entretanto, é indispensável, para que se alcance a maturidade, que se possa fazer perguntas simples, acerca de quem nos rodeia:
Essa pessoa gostaria de mim em qualquer circunstância? Me estenderia a mão em uma situação limite? Me defenderia de ataques de terceiros? Torceria por minha felicidade, pelo meu sucesso, sem invejar-me ou apunhalar-me pelas costas? Evitaria a maledicência? Seria capaz de um grande gesto de desprendimento? Indigna-se com as mesmas coisas? Diz-me o que eu necessito ouvir, sem tão-somente querer agradar-me?
Caso as respostas não sejam positivas, eu lamento informar que essas amizades não são sinceras. O amigo verdadeiro é o que tem amor genuíno por você. A presença dele ilumina a sua vida, e ele te torna alguém melhor. Isso funciona de uma forma muito similar ao amor entre homem e mulher: só é verdadeiro quando um impulsiona o outro para o crescimento pessoal, sem competitividade ou interesses espúrios.
Por que?
Mas por que, então, estamos sempre cercados de falsos amigos, de oportunistas de plantão, de pessoas inescrupulosas? Ora, porque o ser humano é imperfeito e precisa desejar aprimorar-se, para obter êxito nessa escolha de relacionamentos. Porque vivemos no mundo da instantaneidade, e amizades sinceras precisam de tempo para florescer. Porque as pessoas estão perdidas e não sabem seus propósitos de vida.
Demoramos muito para entender que, em um mundo tão frívolo e vulgar, apenas os valores mais elevados podem salvar-nos da desonestidade e das relações de oportunidade. Apenas a afinidade pode unir duas almas, no amor e na amizade. Somente a sintonia fina pode permitir o regozijo sincero pela realização do próximo.
E vamos embarcando em uma realidade vazia, em compromissos vazios, relações efêmeras e falsas amizades, por receio da solidão, ou de sermos taxados de esquisitos. Afinal, ninguém quer ser outsider na modernidade, né? Todos queremos ser aceitos, amados, valorizados e reconhecidos.
Camadas da personalidade
Por isso gosto tanto do estudo das camadas da personalidade. O professor Olavo de Carvalho fez um detalhamento aprofundado e um retrato acurado das etapas de amadurecimento da personalidade humana. Chegou à triste conclusão de que muitos de nós, principalmente os brasileiros, não passam da quarta camada, e por via de consequência, fazem de tudo para obter aceitação de terceiros.
Mas o que seria essa camada de personalidade? Por que as pessoas paralisam ali? Eu explico: a quarta camada está relacionada com sentimentos bem básicos da criança, que deseja aprovação. Se esta não obteve, em sua infância, até completar uns dez anos de idade, o reconhecimento dos pais, acerca de quem ela é e de suas virtudes, a exaltação de suas qualidades e a correção de seus defeitos, ela vai buscar, caso não se fortaleça internamente, amadurecendo e percebendo que ninguém lhe deve nada, esse reconhecimento do mundo.
Esse indivíduo vai andar pela vida desejando o prazer, o amor e a aceitação que lhe foram negados na convivência familiar, e que são tão importantes para a formação da personalidade. Esse movimento de busca será insaciável, na medida que essa pessoa conduz-se, no mundo, como a criança carente que foi.
Isso traz uma gama imensa de problemas, comprometimentos afetivos, relações tóxicas, sentimentos ambíguos e comportamentos erráticos, os quais poderiam ser evitados, caso essa pessoa percebesse que a raiz de seus problemas está ali, no desamor, que faz com que ela tome tudo como uma rejeição pessoal.
Sentido da vida
Ocorre que, para isso, é preciso fazer um mergulho honesto, e deixar de procurar fora, nos outros, o que está dentro de si. É muito doloroso, mas absolutamente necessário constatar que o carinho que não se recebeu, o colo que não lhe foi dado, o olhar de aprovação que lhe foi negado, o amor que lhe cabia receber, mas não veio, não poderão ser reparados.
O que você poderá fazer é buscar o sentido da sua vida e seu real propósito de estar aqui, e de Deus ter-lhe concedido a dádiva de poder transformar o seu presente e o seu futuro. Sempre digo que o melhor lugar para o passado ficar é esse: no passado. A partir do momento que você se instala em sua realidade, sabe quem você é, bem como quais são os seus valores inegociáveis, os amores e as amizades sinceras surgem, por afinidade.
Escrevi tudo isso para dizer que despedi-me de mais uma amizade de quarta camada. A pessoa instalada nesta camada não se satisfaz jamais. Ela cobra do mundo o amor que lhe faltou na infância, sem compreender que é capaz de fazer diferente, e seguir em frente. Isso impede que construa relações sinceras, equilibradas e desinteressadas, porque está sempre em busca de algo impossível de ser resgatado. Deseja, por meio das vantagens que obtem, afirmar o tempo todo o quanto é maravilhosa, desejada, incrível e querida.
Isso é impossível. Ninguém é amado por todos, não há aprovação unânime, integral e irrestrita. Contudo, se você caminha do lado certo, luta o bom combate e não vive na hipocrisia, atrairá pessoas que pensem como você, formando um circulo virtuoso ao seu redor, e despedindo-se daqueles que não comungam da sua visão do mundo, sem vitimizar-se ou levar para o lado pessoal: idem velle et idem nolle.
Vale a pena?
Sim, vale. Proteja-se de tudo que impede você de evoluir e tornar-se melhor. Para frente e para o alto - é nessas direções que devemos olhar e seguir. Dói despedir-se de quem não te faz bem? Olha, vai doer um pouco. Mas quanto mais você avança, menos sente o efeito do impacto. Deixa de ser um tsunami, e torna-se uma marola. Desejo uma boa travessia para todos nós!
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