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    Motociclistas sofrem mais da metade dos acidentes, aponta estudo

    Causas vão desde manobras erradas a não uso de equipamentos

    Publicado 29/05/2023 às 15:44 | Autor: Ezequiel Manhães
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    Vítimas respondem por 61% dos acidentes
    Vítimas respondem por 61% dos acidentes |  Foto: Karina Cruz

    Motociclistas respondem por mais da metade dos acidentes nas vias públicas. Os dados são do Boletim Epidemiológico, divulgado pelo Ministério da Saúde, que compila informações de acidentes entre 2011 e 2021. 

    Segundo a publicação, divulgada no mês passado, os fatores que contribuem para o aumento nos índices são: o não uso de capacete, alta velocidade, mudança de faixa ou condução em "ziguezague", além de usar o meio de transporte como competição.

    No Brasil, apenas no ano de 2020, as lesões de trânsito foram responsáveis por mais de 190 mil internações nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) e hospitais conveniados. Destas, mais de 61% eram de motociclistas.

    Para Pedro Borges, do Observatório Nacional de Segurança Viária, os baixos valores de compra e manutenção de uma moto, em comparação com outros tipos de veículos, podem ter uma correlação neste cenário.

    "Acabam atraindo uma maior quantidade de usuários, principalmente no Brasil, considerando as condições socioeconômicas. Oportunidades de trabalho em motofrete também acabam atraindo novos usuários de motocicleta, que muitas vezes não possuem tanta experiência de condução", pontua o head de Mobilidade Segura.

    As lesões de trânsito, principalmente envolvendo motociclistas, são um importante problema de saúde pública. Dos condutores que usam o modal para trabalhar, até mesmo aqueles que utilizam para passeios comuns. Tem adultos e até menores - sem habilitação - no rol de acidentados. 

    Hospital Estadual Alberto Torres (Heat), em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, contabilizou, somente nos quatro primeiros meses deste ano, 2,8 mil atendimentos provenientes de colisão entre veículos, queda de moto, capotamento e atropelamento
    Hospital Estadual Alberto Torres (Heat), em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, contabilizou, somente nos quatro primeiros meses deste ano, 2,8 mil atendimentos provenientes de colisão entre veículos, queda de moto, capotamento e atropelamento |  Foto: Karina Cruz

    O Hospital Estadual Alberto Torres (Heat), em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, contabilizou, somente nos quatro primeiros meses deste ano, 2,8 mil atendimentos provenientes de colisão entre veículos, queda de moto, capotamento e atropelamento. A unidade é referência em tratamentos de pacientes envolvidos nestes tipos de acidentes.

    Lesões de trânsito, principalmente envolvendo motociclistas, são um importante problema de saúde pública

      

    Indicadores revelam que a taxa atual é quase 46% maior do que o mesmo período de 2022 - com mais de 1,9 mil ocorrências, de acordo com a direção da unidade.

    Segundo médicos, o consumo de álcool antes de pegar no volante e o uso do celular estão entre as principais causas dos acidentes.

    "Temos que frear estes números. São acidentes que podem ser evitados. Diariamente homens, mulheres, jovens, idosos e crianças entram nas emergências com diversas contusões, lesões ou ferimentos em várias partes do corpo, que demandam cuidados especializados, além de exames de imagens e intervenções cirúrgicas. Muitos saem bem, outros com graves sequelas, e ainda há os que não sobrevivem", explica o médico Marcelo Pessoa, coordenador do Centro de Trauma do Heat.

    Imprudência

    Niterói teve mais 1,1 mil acidentes de trânsito, de forma geral, em 2022; São Gonçalo teve 788; Maricá 344 e Itaboraí 253
    Niterói teve mais 1,1 mil acidentes de trânsito, de forma geral, em 2022; São Gonçalo teve 788; Maricá 344 e Itaboraí 253 |  Foto: Karina Cruz

    Olhando o cenário da acidentalidade no Brasil, o líder do setor de Mobilidade Segura do Observatório Nacional de Segurança Viária, Pedro Borges, garante que ainda há muito para avançar na educação para o trânsito, sendo um aspecto que influencia diretamente no fator humano. 

    "E esse avanço não deve se concentrar apenas nos condutores, mas também nas nossas crianças e jovens, que já se tornam parte do sistema de mobilidade desde cedo", pontua.

    Na rota de colisão da imprudência está o estudante J., de 17 anos, morador de Guapimirim, na Região Metropolitana do Rio. Ele sofreu acidente de moto no final do mês de janeiro deste ano.

    Além das escoriações, o adolescente teve queimaduras de segundo e terceiro graus nas pernas e na região genital. Entre CTI e enfermaria, o rapaz ficou 60 dias internado no Heat.

    Ao lado dos pais, J. reconhece que cometeu uma infração grave. “Peguei a moto de um amigo emprestada para lanchar e acabei me envolvendo em um acidente. Graças a Deus estou vivo, mas poderia ter acontecido coisa pior. Aprendi a lição e espero que ninguém passe pelo que enfrentei por um ato inconsequente”, reconheceu o estudante.

    Traumas

    Na estatística dos acidentes também está o jovem Brenndho Andrade Freitas, de 26 anos. No último dia 11 de abril, quando retornava para casa, no bairro Mutuá, em São Gonçalo, o motoboy foi atropelado por uma motorista que, segundo ele e a família, estava alcoolizada.

    "Ela me jogou longe. Vi que a minha perna esquerda estava esmagada. Não me socorreu. Como estava perto de casa, chamaram a minha mãe e o Corpo de Bombeiros. Hoje estou aqui, sem uma das pernas por causa de uma imprudência. Estamos na Campanha Maio Amarelo e quero deixar o nosso depoimento e pedir mais prudência no trânsito. Muitos acidentes, como o meu, podem ser evitados", garantiu Brenndho.

    Na Região Metropolitana do Rio, Niterói teve mais 1,1 mil acidentes de trânsito, de forma geral, em 2022; São Gonçalo teve 788; Maricá 344 e Itaboraí 253.

    Esses dados analisados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) foram produzidos através dos microdados extraídos dos registros de ocorrência lavrados nas delegacias de polícia da Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) e não especificam o tipo de veículo.

    Lei

    À reportagem, o Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro (Detran) esclarece que em caso de cometimento de crime de trânsito, previsto nos Artigos 302 ao 312 do CTB, o condutor é conduzido à delegacia. 

    Segundo a autarquia, o condutor condenado por crime de trânsito deverá ser submetido a novos exames para que possa voltar a dirigir. Administrativamente, não existe "perda" de carteira em caso de acidente. Depende de decisão judicial.

    O Batalhão de Polícia Rodoviária (BPRv) registrou 136 acidentes de trânsito, sem especificação do tipo de veículo, nas rodovias RJ's 116, 130, 142 e 148 - de janeiro a abril de 2023. A Operação Lei Seca lembra que faz operações diárias contra motoristas que dirigem sob o efeito do álcool.

    Frota

    Em 2011, o Registro Nacional de Veículos Automotores registrou 18,4 milhões de veículos de duas ou três rodas (motocicletas, motonetas, ciclomotores e triciclos) o que equivalia a 26,1% da frota total de veículos. Em dezembro de 2021 esse total foi de 30,3 milhões, aumento de 64,7% aproximadamente, representando 27,1% da frota do Brasil.

    O Ministério da Saúde ressalta, em documento recém-lançado, que uma questão relevante que influencia no número de acidentes com motociclistas é justamente o tamanho da frota de motocicletas no país. 

    Esta tendência, que se agravou após a pandemia em 2020, segundo o estudo descritivo do MS - com foco nos motociclistas -, guarda relação com crises estruturais do transporte público, demandas por serviços de tele-entregas, em sistemas de trabalhos precarizados e sem nenhuma garantia ou direito ao trabalhador.

    Tudo isso somada às vantagens que estes veículos apresentam, do ponto de vista individual (tráfego fácil, estacionamento, baixos custos de aquisição e manutenção).

    O auxiliar de logística Victor da Silva Pereira, de 25 anos, disse que já passou por três acidentes em cidades distintas: São Gonçalo, Niterói e Rio de Janeiro. Na primeira vez, ele trabalhava como motoboy para uma lanchonete.

    "Eu estava trabalhando como motoboy, por volta de 2h da manhã, na região da Cantareira, em Niterói. Um carro sem placa me fechou, me jogou no chão, fraturei a costela, tive escoriações. Eu prestava serviço para uma lanchonete. Passei na loja e fui pra casa. Isso deve ter uns 3 anos. E, na época, não me prestaram nenhum tipo de auxílio", narrou. 

    O último acidente que Victor se envolveu foi há cerca de três semanas, quando ele acabou caindo em uma pista escorregadia na saída do Túnel Rebouças, quando voltava da Barra da Tijuca, na Zona Oeste. 

    Como reduzir?

    Para reduzir acidentes, é preciso fiscalizar mais, na visão de Pedro Borges, do Observatório Nacional de Segurança Viária.

    Aspas da citação
    Acredito que uma fiscalização efetiva em conjunto com iniciativas de conscientização da população em geral traz melhores resultados. Não adianta forçar a balança para o lado da punição se o cidadão não entende a gravidade de seus atos
    Pedro Borges Head de Mobilidade Segura
    Aspas da citação
      

    O Ministério da Saúde aponta que as lesões de trânsito configuram entre as dez principais causas de morte em países de baixa e média renda e a sexta causa de DALY - da sigla em inglês ‘Disability Adjusted Life Years’, que significa ‘anos de vida perdidos ajustados por incapacidade’.

    Maria del Carmem Bisi Molina, diretora do Departamento de Análise Epidemiológica e Vigilância de Doenças não Transmissíveis, explica que o maior custo desses acidentes são as vidas que se perdem e os impactos que tais incidentes geram na rede de saúde.

    Esses acasos também geram impactos, segundo ela, na produção das pessoas e refletem na questão do empobrecimento das famílias. Em caso de morte, os custos recaem sobre a previdência social.

    “Outro aspecto a ser considerado é o uso das motocicletas como meio de transporte para o trabalho ou como equipamento de trabalho, como nos serviços de entrega. Assim, diversos acidentes com motociclistas podem ser considerados acidentes de trabalho típicos”, acrescenta a diretora.

    Maio Amarelo

    A intenção do movimento internacional do Maio Amarelo, que já acontece há nove anos, é conscientizar para a redução de acidentes.

    O alto índice de acidentes de trânsito, além de lotar as emergências e as enfermarias, também impacta diretamente no banco de sangue de hospitais.

    Somente em 2022, no Hospital Estadual Alberto Torres (Heat), foram necessárias mais de 7,6 mil bolsas de sangue para suprir a necessidade de transfusão no atendimento aos pacientes.

    Esse quadro se agrava ainda mais durante os feriados prolongados e nos finais de semana. O crescimento de casos de acidente de trânsito também gera crescimento no número de atendimentos no ambulatório de pós operatório.

    A Secretaria de Estado de Saúde do Rio (SES) revela que no ano passado foram cerca de 4 mil consultas e procedimentos nos quatro primeiros meses. Neste ano, o número saltou para cerca de 5 mil. A maioria dos atendimentos é para ortopedia e neurocirurgia.

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