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Mais de 70 mil mulheres sofreram algum tipo de violência no ano de 2020 no Rio
Em 2020, 73 mil mulheres sofreram algum tipo de violência no estado do Rio de Janeiro, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). O número representa uma média de 251 vítimas por dia. Esse foi um dos dados discutidos pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), durante audiência pública, nesta sexta-feira (25).
A presidente da comissão, deputada Enfermeira Rejane (PCdoB), iniciou sua fala lembrando que o Parlamento tem trabalhado no combate ao feminicídio e que a bancada feminina da Casa enviou um ofício ao governador Cláudio Castro solicitando uma reunião para discutir o aumento de casos no Rio. Segundo a parlamentar, porém, o pedido não foi atendido. "Precisamos cobrar do Governo medidas emergenciais. Não podemos mais manter a situação como está. Hoje vamos fazer um abaixo assinado e enviar novamente ao Executivo. O Parlamento tem feito a sua parte", disse Rejane.
A deputada recordou que a Alerj contou com o trabalho de uma CPI que investigou os casos de feminicídio no Rio. O relatório final, aprovado em 2019, tinha como medidas propostas a implementação do Formulário de Avaliação de Risco em Violência Doméstica (Frida) com o objetivo de identificar e diagnosticar o risco que essa mulher corre e, com isso, serem adotadas medidas mais céleres para evitar que ela se torne uma vítima de feminicídio. No entanto, ela lembrou que a medida ainda não foi colocada em prática, assim como a Lei 8.332/19, de sua autoria, que propõe a destinação de 0,2% do Fundo de Combate a Pobreza, as políticas de enfrentamento do combate ao feminicídio no estado. A porcentagem representaria um pouco mais de R$ 9 milhões em recursos.
"Estamos falando de um valor que ainda seria insuficiente para combater esses crimes e ainda assim não foi para frente", reforçou Rejane. Também estiveram presentes na reunião e concordaram com a parlamentar as deputadas Martha Rocha (PDT) e Tia Ju (Republicanos).
Relato pessoal
Há 11 anos Solange Revoredo foi vítima de uma tentativa de feminicídio e até hoje seu ex-marido não foi responsabilizado pelo crime. "Consigo notar os avanços dessas políticas, mas o sistema ainda é muito cruel com a mulher. Meu marido só ficou preso por um mês e até hoje se gaba por não ter pagado pelo que fez comigo. Queria muito ver a justiça sendo feita. Fui negligenciada em várias esferas e quase morri após apanhar", desabafou.
Para o desembargador e autor do livro Sobre Elas: Uma História de Violência, Wagner Cinelli, não pode existir crime sem punição. "A vítima não pode achar que não vai dar em nada a sua denúncia. Temos que mudar essa equação que desfavorece todo mundo. A mulher precisa estar empoderada para minar essa violência que a atinge, mas vale frisar que quem está em uma situação como essa tem vergonha de pedir ajuda, não é só uma questão de desconhecimento, por isso todas as esferas precisam estar capacitadas para atender essas vítimas", defendeu.
Brasil em destaque
Representante do movimento Levante Feminista contra o Feminicidio no estado do Rio, Schuma Schumacker disse a morosidade do Judiciário em resolver esses crimes e a falta de investimentos na prevenção são problemas que precisam de solução. "O Brasil é um dos cinco países que mais matam mulheres no mundo. Embora o crime do feminicídio exista no Código Penal desde 2015, de lá para cá o número de registros já aumentou 20%. Isso mostra o tamanho do nosso problema. Precisamos denunciar os feminicídios no nosso país, dar visibilidade às casas de mulheres e sensibilizar os homens que se envergonham com o machismo praticado", explanou.
Já a coautora do Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil, Suane Felippe Soares, chamou a atenção para a falta de dados de feminicídios praticados em mulheres lésbicas no Brasil. "No último dossiê contabilizamos 126 casos de mortes de lésbicas de 2014 a 2017. No entanto, desde que a pesquisa foi interrompida por falta de verba, em 2018, o único relato que temos publicado afirma que em 2020 foram registrados apenas 10 casos. A questão é que esse número não diminuiu, ele só está sendo subnotificado. Não temos pessoas específicas para pensar sobre a morte das lésbicas no nosso país", afirmou.
Suane ainda reforçou que o lesbocídio é um feminicídio, apesar de ser operado de forma diferente em muitos casos. "Quando uma lésbica é vitimada todas as mulheres são violentadas. Temos que criar uma forma de contabilizar esses feminicídios", concluiu.
Anulação de audiência na qual vítima de violência doméstica é incentivada a ficar em silêncio
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio da 4ª Procuradoria de Justiça junto à 7ª Câmara Criminal, obteve, na quinta-feira (24/06), a anulação de Audiência de Instrução e Julgamento na qual uma vítima de violência doméstica teria sido advertida pela juíza da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Saquarema de que teria o "direito a ficar em silêncio durante a audiência".
Na decisão, a desembargadora relatora determina a realização de novo ato processual, estabelecendo ainda que o Juízo se abstenha de alertar ou advertir à vítima de violência doméstica sobre um inexistente, e sequer previsto em lei, direito ao silêncio. Na audiência, realizada em 16 de março de 2021, nos autos da ação penal nº 0006378-89.2020.8.19.0058, o acusado, que respondia a mais três processos de violência doméstica foi solto pela magistrada nos três processos e na mesma ocasião, ao argumento de que a vítima nada tinha esclarecido sobre os fatos narrados na acusação, circunstância que fragilizava tanto a prova, como a necessidade de manutenção da prisão cautelar do acusado.
No parecer que embasou o provimento da correição parcial, o procurador de Justiça destaca que a postura adotada pela magistrada prejudicou o MPRJ na produção de provas, inviabilizando a real apuração dos fatos analisados. Afirma que o “alerta” realizado pela magistrada acerca do suposto direito silêncio da vítima ao inquiri-la, não está abarcado nas situações previstas no art. 206 do Código de Processo Penal (CPP).
Em Reclamação interposta pela 2ª Promotoria de Justiça Criminal de Saquarema, o titular do órgão de execução, promotor de Justiça Rodrigo de Figueiredo Guimarães, destacou que a postura praticada pela juíza fez com que a vítima desistisse de prestar o seu depoimento em Juízo, embasando, igualmente, requerimento de revogação da prisão preventiva formulado pela defesa técnica do acusado, justamente ao argumento de que a vítima nada teria esclarecido sobre os fatos delituosos imputados na denúncia.
“A insistente postura de ilegalidade levada a cabo pela juíza em inúmeras Audiências de Instrução e Julgamento relacionadas a crimes praticados no contexto da violência doméstica e familiar na Comarca de Saquarema, consubstanciada numa intervenção judicial focada em insistir para que a vítima não preste o seu depoimento em Juízo, alicerçada num suposto, inexistente e sequer previsto em lei direito ao silêncio da ofendida que a magistrada alega estar previsto no artigo 206 do Código de Processo Penal, vem causando prejuízos irreversíveis à produção da prova oral pelo Ministério Público, pois incontáveis vítimas, após a “advertência” da magistrada, estão desistindo de prestar o depoimento em audiência, circunstância que vem causando a absolvição de diversos acusados por graves crimes perpetrados no contexto da violência doméstica”, destacou o promotor de Justiça Rodrigo de Figueiredo Guimarães.
“Afigura-se, portanto, imprescindível o depoimento da ofendida, de sorte a viabilizar a formação da convicção do julgador, uma vez se tratando de violência doméstica, delitos que usualmente são praticados na clandestinidade. Reafirmo que a Lei 11340/06 foi erigida para tutelar os interesses da mulher vulnerável nas relações domésticas. Impõe-se ao Judiciário a plena proteção da vítima, e o desestímulo a que esta preste os seus esclarecimentos compromete o alcance do escopo normativo", decidiu a relatora do caso, desembargadora Maria Angélica G. Guerra Guedes, acompanhada por unanimidade pelos integrantes do Colegiado, ocasião em que foi reconhecido o error in procedendo.
A articulação da Correição Parcial com os membros do MPRJ do 2º grau foi realizada pelo Núcleo de Articulação Institucional (NAI-SAR/MPRJ), com a contribuição da articuladora criminal, procuradora de Justiça Ligia Portes Santos. A atuação no 2º grau coube aos procuradores de Justiça Francisco Eduardo Marcondes Nabuco e Ricardo Ribeiro Martins, o primeiro emitindo o parecer no sentido do provimento da correição parcial e o segundo participando da sessão de julgamento da 7ª Câmara Criminal, realizada por videoconferência.
A 2ª Promotoria de Justiça de Saquarema destaca, ainda, que interpôs outras reclamações contra o mesmo Juízo, cujo objeto é o mesmo do julgamento realizado no dia 24/06, e que ainda serão julgadas pelo TJRJ. Nas referidas reclamações há parecer favorável do órgão do Ministério Público de 2º grau, tanto pelo conhecimento, como pelo total provimento da Correição Parcial contra a magistrada.
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