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    Denúncia

    Cabeleireira de São Gonçalo presa em Portugal luta por extradição

    Cirlene Ramos, 31, responde por tráfico internacional de drogas

    Publicado 22/06/2023 às 8:32 | Atualizado em 22/06/2023 às 9:57 | Autor: Ezequiel Manhães
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    Detentas de diversos estados brasileiros querem cumprir pena no país de origem
    Detentas de diversos estados brasileiros querem cumprir pena no país de origem |  Foto: Reprodução

    Familiares de uma brasileira de 31 anos, presa preventivamente há pouco mais de dois meses no Pavilhão 1 do Estabelecimento Prisional de Tires, em Portugal, país no sul da Europa, lutam pela extradição da mulher. 

    Cumprindo pena em uma cela e sem data marcada para audiência ou julgamento, a cabeleireira Cirlene Pereira Ramos, moradora de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, denuncia ataques racistas, xenofóbicos e verbais.

    As denúncias recaem sobre guardas prisionais e até mesmo de presas portuguesas, resultando em danos psicológicos e até físicos, este último, no caso de outras reclusas, que são acompanhadas pela Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (Apar).

    APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
    APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso |  Foto: Reprodução

    Cirlene foi capturada por agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no Aeroporto de Lisboa, em 3 de abril de 2023, com entorpecentes na mala. Ela responde por tráfico internacional de drogas. 

    "Ela, assim como as demais detentas brasileiras, ficam à mercê deles e não temos mais nenhuma informação. As coisas que a gente manda pra entregar, eles enrolam, não entregam ou deixam estragar pra entregar, no caso de alimentação. Tem pessoas há três anos, com a família tentando, e eles colocam empecilho pra tudo. São muitos erros cometidos", narra o esposo Diego Caetano, de 30 anos, gerente de restaurante e gesseiro.

    Estabelecimento Prisional de Tires, em Portugal
    Estabelecimento Prisional de Tires, em Portugal |  Foto: Reprodução

    Cirlene, assim como outras mais de 50 detentas de diversos estados brasileiros, só querem cumprir pena no país de origem, e tentam apoio de familiares, que, incansáveis, relatam que não veem apoio da Embaixada Brasileira.

    E, além da concordância da Justiça de Portugal, é preciso que haja recursos no Orçamento da União para que as transferências/extradições ocorram.

    "O Brasil não está custeando a extradição dessas pessoas, que estão completamente à mercê lá. O governo aqui diz que não tem verba suficiente. E o processo penal é diferente lá. Leva de seis meses a um ano pra ter sentença. Depois, que começa dar entrada no processo para extradição, sendo nomeados advogados dativos, que atuam naquele processo", explicou o advogado criminalista Júnior Lira, que auxilia o caso.

    Segundo Diego Caetano, marido de Cirlene, o único pedido é por mais dignidade à mulher e demais reclusas, que, em sua maioria, deixam filhos e esposos no país de origem. No caso de Cirlene, ela tem duas filhas menores, frutos do primeiro casamento.

    "A gente não quer que elas [presas] fujam da responsabilidade, se cometeram algum erro têm que pagar. O que queremos é mais dignidade e mais respeito e que elas possam estar perto da família cumprindo o que tiver que cumprir. Nesses quase três meses, há uma semana que tive contato da Embaixada", pontua ele.

    O Ministério das Relações Exteriores, por meio do Consulado-Geral do Brasil em Lisboa, disse ao ENFOCO que presta assistência consular à Cirlene.

    "Em observância ao direito à privacidade e ao disposto na Lei de Acesso à Informação e no decreto 7.724/2012, informações detalhadas poderão ser repassadas somente mediante autorização dos envolvidos. Assim, o MRE não poderá fornecer dados específicos sobre casos individuais de assistência a cidadãos brasileiros", pontuou em nota. 

    Aspas da citação
    A Cirlene e tantas outras estão cumprindo pena, mas sendo vítimas de vários crimes. Cerca de 70% da população carcerária lá é brasileira, a maioria responde por tráfico internacional de drogas
    Júnior Lira advogado criminalista
    Aspas da citação
      

    Cartas por socorro

    Cartas assinadas em conjunto pelas presas no último mês apontam agressões físicas, psicológicas, além de alimentações impróprias, falta de atendimento médico, de kit higiene básico e trabalhos escravos para empresas. Tudo dentro da unidade.

    Assim, também, como direitos que deveriam ser dados às reclusas estrangeiras, que não são respeitados pelo Estado, ainda conforme as queixas.

    "Muitas vezes o leite vem estragado, temos dor de barriga. O frango do almoço cru, com sangue. Muitas vezes encontramos cabelos na comida, bichos, pedras e quando reclamamos levamos xingamentos e ofensas. Temos direito a chamada de vídeo uma vez por mês, durante 20 minutos, coisa que não é cumprida [...]", diz trecho de texto coletivo.

    Mães que sofrem

    A dona de casa Maria de Lurdes Moraes Lopes de Andrade, 57 anos, moradora do Recife (PE), resume à reportagem o caso da filha presa Priscila Moraes de Andrade, 30 anos — já condenada a quatro anos e seis meses de prisão — por tráfico internacional de drogas.

    "Ela foi pra lá depois de receber uma proposta de trabalho, mas, na verdade, obrigaram ela a levar droga. Ela tem uma doença que se chama toxoplasmose e está muito doente lá, sem tratamento. Passa dias sem dormir, vomitando, defecando água. Teve um dia que desmaiou enquanto falava comigo na ligação, disse que estava sem forças", lamenta. Priscila deixou no Brasil uma filha de 13 anos, que precisa de acompanhamento psicológico, tamanho sofrimento. 

    "Queremos cumprir pena no nosso país, não queremos uma rota de fuga", enfatizam as presas — no comunicado direcionado ao presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

      

    Justiça

    Portugal não conta com uma instituição permanente como a Defensoria Pública brasileira, por exemplo. Em muitos casos são instituídos advogados dativos, conforme explicou o advogado criminalista Júnior Lira.

    Os assistentes jurídicos são nomeados por um juiz, no curso de uma ação, para prestar assistência a uma pessoa que não possui condições de pagar as custas do processo ou os honorários do advogado, a exemplo de um defensor público no Brasil.

    "A gente só quer garantir o mínimo de dignidade, cobrar as autoridades que façam a comunicação com as famílias e as transferências ao Brasil, porque muitas famílias não conseguem custear", frisa o advogado Júnior Lira.

    Dentre os vários questionamentos das detentas, estão o alto custo para ligações com familiares no Brasil, considerando a cotação do Euro, moeda local. Elas também reclamam do impedimento de envio e recebimento de correspondências (cartas). 

    "Erramos e sabemos que erramos e queremos cumprir a lei, mas somos seres humanos, não somos melhores e nem piores que ninguém, mas também merecemos ser tratadas com dignidade", diz uma carta coletiva escrita pelas presas em 15 de maio deste ano.

    Drama

    Moradora de Criciúma, no estado de Santa Catarina, a dona de casa Jussara Beatriz Pinheiro, 54 anos,  é mãe da detenta Kerolin Acordi Pinheiro, de 28 anos.

    Kerolin, que tem três filhos, sendo dois autistas, foi presa em 8 de novembro de 2022, em Lisboa, também acusada pelo crime de tráfico internacional de drogas. Ela foi condenada a dois anos de reclusão. 

    "Depois que eu soube que ela foi presa, eu fiquei três meses sem comunicação, sem saber como mandar dinheiro. E quando manda, a gente não tem garantia que o dinheiro chega até ela. Na audiência, foi pedida a extradição, porque ela tem filhos autistas e a justiça não considerou”, contou.

    Ela continua o duro desabafo:

    “Eu tenho deficiência visual, cuido sozinha das crianças. Estou fazendo empréstimos, o pouco que recebo do meu auxílio-doença, eu envio tudo pra ela e estou vivendo de doações. Minha filha sofre convulsões, está com infecção no ouvido a ponto de sair pus. Eles não cuidam da pessoa doente lá".  

    A reportagem teve acesso a carta com um abaixo-assinado de mais de 50 reclusas (galeria abaixo), além de áudios das ligações delas com familiares e até mesmo a denúncia feita pela associação responsável por fiscalizar unidade prisionais em Portugal, a Apar (Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso).

    "Estou ficando seca nesse lugar! A gente passa por muita humilhação, por xenofobia, é humilhado por presa portuguesa, por guarda, por tudo. Quando uma pessoa passa mal, elas humilham a gente. A gente está pedindo socorro da Embaixada Brasileira. Se a gente não se defender, apanha de guarda, de outras presas e eu não estou aqui pra apanhar de ninguém", diz uma detenta brasileira, em um áudio. 

    • Cabeleireira de São Gonçalo presa em Portugal luta por extradição
      | Foto: Reprodução
    • Cabeleireira de São Gonçalo presa em Portugal luta por extradição
      | Foto: Reprodução
      

    À Procuradoria-Geral Portuguesa, a Apar relata casos de reclusas que foram espancadas por guardas homens, além de mulheres depressivas que recebem cordas, sendo orientadas para que se enforquem, ainda segundo as denúncias. Não há, portanto, informações oficiais sobre o desenrolar das delações. 

    Questionado, o Ministério das Relações Exteriores, conhecido como Itamaraty, apontou que casos de extradição são de responsabilidade do juízo no qual se origina o processo, neste caso de Portugal.

    "A tramitação de documentos do processo é competência do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), autoridade central para a cooperação jurídica internacional. Cabe ao Ministério das Relações Exteriores auxiliar o MJSP no encaminhamento da documentação às autoridades estrangeiras competentes, por meio das missões diplomáticas no Exterior", encerra.

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