Leitura
Os Noivos: ensinamentos de uma obra que atravessa o tempo
Uma reflexão sobre o livro de Alessandro Manzoni
Alessandro Manzoni, escritor italiano, foi o autor dessa obra-prima, que se passa na Italia do século 17. O livro relata a saga de um casal que tentam se casar, apesar de inúmeras tragédias e perdas que permeiam seu caminho.
Manzoni nasceu 4 anos antes da revolução francesa, numa época de turbulência política, revoluções e guerras. O que conhecemos por Italia, hoje, até o fim do século 19 era, na verdade, um conjunto de reinos e repúblicas, os quais só foram unificados no final do século 19, dando origem ao país atual.
Manzoni foi um homem de um livro só. Sua obra difundiu e ajudou a unificar , também, a língua, em seu país. Foi profundamente impactado pelos acontecimentos da realidade, e deixou uma saga épica, um retrato de uma era, registrado nas páginas de Os Noivos.
Romance
Trata-se de um romance histórico, no qual ficção e fatos reais se misturam. Passa-se no século 17, a partir de 1628, na Lombardia. Esse livro nos apresenta os heróis comuns, pessoas simples que não tem nada de extraordinário em suas vidas. Não são grandes lideres, intelectuais, políticos, monarcas, mas sim pessoas como nós.
Lucia e Renzo (Lorenzo) são os grandes heróis e mártires desse romance. Dois camponeses que moram em Lepo, cidade próxima a Milão, conhecida pela produção de algodão. Os protagonistas são operários de uma pequena tecelagem, conhecem-se, apaixonam-se e resolvem se casar.
No dia do casamento, com tudo pronto e Lucia já vestida de noiva, o celebrante diz que não pode fazer o casamento, naquele momento. O reino em que eles viviam estava sob domínio espanhol, e um aristocrata – Dom Rodrigo - queria Lucia para si, tendo feito uma aposta com um primo, de que iria conquista-la até o dia de São Martinho . A fim de ganhar a aposta, o nobre ameaça o padre. O padre aceita e não celebra o casamento, acovardando-se moralmente.
Frei Christoforo tenta interceder pelos noivos, indo ao palácio de Dom Rodrigo, para convencê-lo. Mas, quando o nobre se vê desafiado, toma a coisa como pessoal e segue adiante, com o objetivo de raptar a moça.
Temos, aqui, uma história entre o inferno e o céu. Os jovens passam por situações terríveis. Renzo e Lucia estão no período da grande peste, q atingiu a Italia , em 1730. Manzoni descreve de maneira impressionante a doença, em Milão, para onde os dois seguem, separados, para fugirem de Dom Rodrigo e das consequências. Um não sabe se o outro está vivo, o destino os separa. Os acontecimentos históricos separam-nos. Mas eles se mantem firmes em seu sentimento e no propósito de ficarem juntos.
Esse casal quer alcançar o céu, cumprir o sentido de suas vidas, na Terra, e para isso, precisa descer ao inferno. Possuiam livre arbítrio e em nenhum momento deixaram de exercê-lo. Mesmo nas situações mais extremas, Renzo e Lucia acreditavam que havia uma esperança.
Perseverança
Manzoni nos ensina isso, com esse romance. Às vezes, estamos vivendo situações extremas, e nos questionamos sobre como sair destas. Nos sentimos impotentes diante de muitos acontecimentos e tragedias. Mas é preciso perseverar em nossos valores , apesar de todas as dificuldades.
A importância do perdão, a bondade e a conversão são os três temas desse livro. O perdão é uma lei estruturante do universo, que promove algo fundamental na nossa vida: se uma coisa acontece no tempo, isso jamais poderá desacontecer. Estará para sempre ali, no plano da existência. Mas há uma exceção p isso, que é o perdão divino, quando Deus perdoa os nossos pecados. É como se aquele acontecimento fosse apagado da memória universal. Per-donare, origem etimológica da palavra perdão, vem de perfeito e de doar, entregar, dar.
A importância do perdão
O perdão nos livra da escravidão do tempo. Nós não seremos felizes nesse mundo. Mas para atingirmos a felicidade, temos q perder o orgulho e a necessidade de vingança, de revidar contra quem nos fez mal. Renzo tem esse desafio, dentro de um lazareto, com 16 mil doentes da peste, procurando Lucia, ao encontrar Dom Rodrigo.
O Homem que lhe fez tanto mal e que, por causa de uma aposta, que causou tanto sofrimento a ele, está ali, moribundo, vitimado pela peste, deitado num catre, com os olhos esbugalhados, no fim da vida. Frei Cristóvão aconselha Renzo a perdoar seu ofensor, pois um herói realiza atos que não são revogáveis pela morte. O perdão é um deles.
Após esse gesto magnânimo de perdão, Renzo finalmente reencontra Lucia, como se fosse uma recompensa, por tão nobre gesto praticado. Afinal, para que contemplemos a verdade e a luz, é necessário, antes, que consigamos perdoar. A nós mesmos. Aos outros. Não nos apegarmos às miudezas do ego humano. À vaidade.
Frei Cristovão cuida de muitas pessoas e acaba morrendo também, vitimado pela peste. Mas antes ele libera Lucia de sua promessa de não se casar com ninguém, em um momento de desespero extremo. E assim, o casal se une em núpcias, após tanto sofrimento e tantas perdas.
Não podemos ancorar nossa sanidade em coisas passageiras, que não se perpetuam para além da morte, em coisas efêmeras. Nossa esperança e nosso espírito devem ser ancorados, sempre, naquilo que permanece. Tudo que perdura, na vida, é imaterial, fonte de valores e de sentimentos. O amor de Renzo e Lucia ultrapassou todas as barreiras da realidade trágica que se apresentava ao casal.
A trajetória dos protagonistas de Os Noivos pode nos ensinar muito sobre filosofia, valores, virtudes, sentimentos nobres e heroísmo. Um grande livro, que entrou para a História e comoveu muitas gerações. Devo a leitura do livro às magníficas aulas de Paulo Briguet, no Clube dos Heróis, turma de que tenho o privilégio de fazer parte.
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