Série
O lobo do homem
The Last of Us é um tapa na cara na sociedade moderna
The Last Of Us é uma série apocalíptica, baseada em um famosíssimo jogo de videogame, criado por Neil Druckmann, para a Playstation. Nesta, cuja primeira temporada foi finalizada mês passado, Joel Pedro Pascal precisa levar Ellie ( Bella Ramsey), uma jovem que é imune ao vírus que dizimou o mundo, a um laboratório, onde ela será analisada e servirá de voluntária, para a criação de uma vacina.
CONTÉM SPOILER
Joel perdeu sua filha, na primeira noite em que o vírus manifestou-se, mais de 20 anos antes. Tem um único parente vivo, seu irmão, e uma companheira, Tess, que morre logo no início da temporada. Ele afeiçoa-se a Ellie, que também é, aparentemente, órfã, e ambos vivem muitas emoções, em uma saga para chegarem a seu destino.
Como nas demais séries apocalípticas, das quais a mais famosa é The Walking Dead, que foi a matéria prima do primeiro artigo que escrevi, há três anos, o homem é o lobo do homem. O que isso significa? Como já dizia John Locke, o caráter predatório do ser humano, sobretudo em situações de adversidade, emerge, e isso legitima condutas inimagináveis, em tempos de paz.
Isso pôde ser visto em tempos de guerra. Em epidemias. Em catástrofes naturais. Momentos de extrema privação. E é enfatizado nesta série, como também o foi em TWD. Afinal, as pessoas se matam e digladiam por poder, comida, dinheiro, mercadorias. E isso só piora, ao longo dos séculos, à medida em que o foco da sociedade desloca-se, cada vez mais, para os bens materiais, em detrimento das virtudes.
Talvez eu seja aficionada neste tipo de série, justamente por causa desses fatores: é um verdadeiro estudo antropológico, assistir ao que é capaz o ser humano, em tempos difíceis. Sobretudo em uma época como a nossa, em que tempos fáceis criaram pessoas fracas, moral e fisicamente, sem qualquer preparo para lidarem com as adversidades, um apocalipse zumbi faria um estrago imenso, na humanidade. Poucos sobreviveriam, de fato.
Propósito
Fama, fortuna, poder, imagem, nada disso importa, em momentos extremos. Habilidades de sobrevivência são mercadoria rara, hoje em dia, e é isso que Joel tem para oferecer, na série. Emocionalmente destruído, o personagem vai, paulatinamente, resgatando sua humanidade, por meio dos cuidados e do afeto por Ellie. Afinal, cuidar de outro ser humano é algo que, efetivamente, nos resgata do caos interno, nos dá um propósito, traz sentido para a nossa vida.
Ellie, por sua vez, vê em Joel alguém em quem pode confiar, um homem forte, corajoso e capaz de tudo, para protegê-la. Vai aprendendo as técnicas de defesa com ele. Treina tiro. Começa a desenvolver a capacidade de virar-se nesse mundo pós apocalíptico, sem medo. É muito bonito acompanhar o desenvolvimento da relação dos protagonistas, que nutrem verdadeiros sentimentos de pai e filha, ao final da temporada. Foram unidos pelas circunstâncias, e destas souberam extrair o melhor.
No mundo moderno ocidental, faltam-nos dificuldades e privações, com as quais lidar, a fim de que sejamos menos mimados, mais autossuficientes e corajosos, menos manipuláveis. Todo discurso ideológico não se sustentaria por cinco minutos, diante dos horrores de uma guerra. Na lei da selva, vence o mais forte, independentemente de cor, raça, credo, gênero ou posição política.
As discussões e as prioridades que vivenciamos, hoje, só nos são possíveis porque homens e mulheres honrados morreram, para que tivéssemos a liberdade da qual desfrutamos. Afinal, esta não nos é passada pela corrente sanguínea, como bem disse Ronald Reagan. É preciso ser vigilante, para que os privilégios que nos foram conquistados, pelas gerações anteriores, não se percam, porque nós menosprezamos a sua importância.
Tapa na cara!
Uma série apocalíptica é como um tapa na nossa cara, acerca do que estamos colocando, como foco central de nossas vidas. Porque quando tudo rui e nada mais resta, virtudes precisam aflorar, qualidades são necessárias, assim como as habilidades, as chamadas “skills”.
E aí? What are your skills? Se o apocalipse acontecesse amanhã, como você sobreviveria? Quem você teria ao seu lado? Ao que , além de comer, beber água e se manter vivo, você daria mais valor? Ajudaria seu próximo, ou tentaria aniquilá-lo? Essas são boas perguntas, em tempos de tanta fartura e futilidade, para nos fazermos, enquanto assistimos a The Last Of Us.
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