Erika Figueiredo - Filosofia de Vida
As camadas da personalidade
Essa semana, estava estudando pelo livro Conhecimento por Presença, de Ronald Robson, publicado pela Vide editorial. É um calhamaço de mais de 660 páginas, sobre a filosofia de Olavo de Carvalho. Ali, Robson esmiúça muitos dos ensinamentos do professor Olavo, dentre eles um, pelo qual tenho especial predileção, as doze camadas da personalidade.
A teoria não foi condensada em livro, e consta de apostilas e aulas gravadas do filósofo. É imperdível, posto que trazida direto da filosofia grega para a modernidade, e hoje muito adotada pela psicologia, dá uma noção muito boa do que é o homem, se resolvermos nos socorrer desta, para traçar um retrato da civilização atual. Vou tentar sintetizá-la nesse artigo, mesmo sabendo que se trata de tarefa hercúlea, dada a importância para a compreensão dos indivíduos:
O homem nasce dotado de personalidade, a qual vai se aprimorando conforme chega a maturidade. As três primeiras camadas da personalidade, as quais surgem com o seu nascimento, não merecem maior análise. Elas tratam das características que já nascem com todo ser humano, e na terceira, este passa a se entender como um ser autônomo, que tem um mundo ao seu redor, que não gira só para ele.
É a partir da quarta camada que as coisas se complicam, porque é nesta que muitos estacionam, para não mais sair... A camada numero quatro é aquela em que o indivíduo, entendendo-se como um ser autônomo no mundo, busca o afeto e o reconhecimento dos outros.
Psicologicamente falando, a criança vive nessa camada, da qual sairá para a quinta camada, que é a da adolescência, até por volta dos seus doze anos. A partir de então, deixará de buscar afeto e aprovação, passando a desafiar os demais e testar os próprios limites. É a fase de provar sua capacidade de ser um indivíduo no mundo.
Dessa camada de desafios e provocações, brigas de rua e testes de força, coragem e independência, evolui-se para a seguinte, quando assumem-se responsabilidades e capacidades na vida prática, como ter um emprego, casar-se. Essa é a sexta camada, na qual a pessoa deseja causar efeitos sociais, mostrar que é útil na sociedade. É a camada dos 20 anos, das realizações e vitórias pessoais.
Caso obtenha êxito, o homem migra para a sétima camada, na qual já se tem uma postura cidadã bem demarcada, com decisões baseadas num código social e moral, que vem de seus núcleos de convivência e da vida que construiu para si. Vive-se relativamente bem, ao chegar-se a esse patamar, apesar de um desconforto e um vazio existenciais que podem assaltar os indivíduos de vez em quando.
A oitava camada é a que efetivamente poderia ser entendida como maturidade. A partir desta, o homem é totalmente consciente, moral, jurídica e socialmente, de seus papéis e do que é certo e errado. Quer deixar uma marca no mundo, busca descobrir sua vocação, para não ter que lidar com o vazio existencial que o tomou de surpresa na camada anterior. A maioria das pessoas maduras estaciona nessa camada, e nela passa o restante da vida.
A nona camada trata de um despertar de consciência mais elevado, acerca do sentido da vida e da construção de um legado para a posteridade. Dela emerge uma personalidade intelectual, já convicta de sua vocação, na qual o sujeito toma consciência das incongruências da vida, da inconsistência do mundo, e das limitações da existência., mas mesmo assim age, imprimindo a marca que desejava.
As três camadas finais trazem um desenvolvimento quase sobrehumano, posto que estupendo, da personalidade. O indivíduo enxerga que a alma humana é imortal e que nós estamos inseridos no destino do Cosmos, e precisamos fazer a nossa parte, influenciando o curso da Civilização: suas ações serão uma régua de medida da experiência humana. Torna-se útil ao mundo, quer mudar o curso da História.
A última das camadas, a décima segunda, inclusive, é tremendamente difícil de ser alcançada. É a reservada aos santos, àqueles que doaram sua vida pela Humanidade, aos que são pastores das ovelhas de Cristo, numa diuturna busca de elevação. Sua finalidade no mundo transcende a vida biológica, é pura devoção, sacrifício e amor.
Entendidas as camadas, surge a pergunta: por que tantas pessoas ficam na quarta camada, sentindo-se injustiçadas, desejando o amor dos demais, a aprovação da sociedade, a compreensão e os cuidados que uma criança almeja, e acusando os outros quando algo não dá certo? É simples. Vivemos tempos fáceis, que criaram pessoas fracas.
Muitas pessoas andando em círculos, ou girando ao redor de si mesmas, sem propósitos claros de vida, com existências medíocres, buscando responsabilizar tudo e todos pelos seus problemas, encontrar culpados para suas dores e frustrações. As angústias e sofrimentos, que sempre fizeram parte da trajetória pessoal de todos os seres humanos, justamente por serem os únicos pensantes da cadeia alimentar, tornaram-se insuportáveis.
As gerações dos séculos passados, massacradas por guerras e privações de todo tipo, acostumaram-se a desejar da vida apenas o possível, e se acaso encontrassem a felicidade e/ou realizassem seus propósitos, poder-se-ia dizer que gozaram de uma existência privilegiada. A guerra pela subsistência era tão cruel, que não havia tempo sequer para refletir sobre as questões da atualidade.
Acontece que os movimentos liberais - dentre eles o feminismo, a psicanálise, a educação moderna e as facilidades do século XX, incluindo-se aí a paz no Ocidente, incutiram nas mentes das pessoas o tal carpe diem (aproveite o dia), “seja feliz hoje”, “viemos ao mundo para nos realizarmos” e outras sandices modernas.
O ser humano, que vivia para servir a Deus, casar-se e ter filhos, trabalhar e descansar quando possível, passou a almejar uma vida de prazeres e ganhos fáceis, de trabalhos incríveis e finais de semana fascinantes, de gozo e de festa sem fim. O homem, agora, quer ser FELIZ e se sente INJUSTIÇADO se não for.
Deu no que deu. Gente fraca, perdida e desorientada sobre do que se trata estar nesse mundo e deixar um legado, lamurienta e despreparada para lidar com as frustrações mais básicas e as tristezas que compõem a vida. Gente que não sai da camada quatro, e culpa a todos por tudo, porque não se responsabiliza por nada, já que sequer sabe como se conduzir.
Adultos infantis e mimados, estacionados na camada quatro, são consequência de tudo que foi artificialmente plantado na civilização, e que desestabilizou a razão de viver do ser humano. Afinal, viver não é ter prazer e ser feliz todo dia. É algo muito maior do que só se fazer o que gosta e realizar-se por inteiro. Aliás, é na falta que amadurecemos, na dificuldade que crescemos, na luta diária que encontramos o significado da vida. Os grandes homens foram forjados no sacrifício, e é a superação que leva à felicidade tão almejada.
Portanto, se você quer ser adulto e deixar sua marca no mundo, sair dessa camada da personalidade e evoluir para ser um indivíduo melhor e mais completo, que imprime sua marca na Humanidade, porque identificou sua vocação, faça assim: apague sua tatuagem de carpe diem, tome um banho gelado, reze o terço e vá à luta com força, fé, coragem, e sem reclamar. Porque viver é para os fortes.
A niteroiense Erika da Rocha Figueiredo é escritora, promotora de Justiça Criminal, Mestre em Ciências Penais e Criminologia pela UCAM, membro da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais e do MP Pro Sociedade, aluna do Seminário de Filosofia e da Academia da Inteligência. Me siga no Instagram @erikarfig.
Texto extraído da Tribuna Diária publicado em 19/04
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